sexta-feira, 27 de março de 2009

Estigma por Zélia Melo

Os estigmas: a deterioração da identidade social
Zélia Maria de Melo
Profa. Adjunta da Universidade Católica de Pernambuco.
Mestre em Antropologia e Doutora
em Psicologia, Universidade de
Deusto, Bilbao - Espanha
Goffman (1993, p. 11) faz referência ao uso da palavra "estigma"pelos gregos,
definida como "signos corporales, sobre los cuales se intentaba exhibir algo
malo y poco habitual en el status moral de quien los presentaba".
O estigma era a marca de um corte ou uma queimadura no corpo e significava
algo de mal para a convivência social. Podia simbolizar a categoria de escravos
ou criminosos, um rito de desonra etc. Era uma advertência, um sinal para se
evitar contatos sociais, no contexto particular e, principalmente, nas relações
institucionais de caráter público, comprometendo relações comerciais.
Na época do cristianismo, as marcas corporais tinham um significado
metafórico; os sinais representavam a "graça divina", que se manifestava através
da pele. Eram também uma referência médica, representando perturbações físicas.
Na atualidade, a palavra "estigma"representa algo de mal, que deve ser
evitado, uma ameaça à sociedade, isto é, uma identidade deteriorada por uma
ação social. Para Goffman (1993, p. 11), "la sociedad establece los medios para
caracterizar a las personas y el complemento de atributos, que se perciben como
corrientes y naturales a los miembros de cada uma de esas categorías".
A sociedade estabelece um modelo de categorias e tenta catalogar as pessoas
conforme os atributos considerados comuns e naturais pelos membros dessa
categoria. Estabelece também as categorias a que as pessoas devem pertencer,
bem como os seus atributos, o que significa que a sociedade determina um padrão
externo ao indivíduo que permite prever a categoria e os atributos, a identidade
social e as relações com o meio. Criamos um modelo social do indivíduo e, no
processo das nossas vivências, nem sempre é imperceptível a imagem social do
indivíduo que criamos; essa imagem pode não corresponder à realidade, mas ao
que Goffman (op. cit.) denomina de uma identidade social virtual. Os atributos,
nomeados como identidade social real, são, de fato, o que pode demonstrar a
que categorias o indivíduo pertence.
Alguém que demonstra pertencer a uma categoria com atributos incomuns
ou diferentes é pouco aceito pelo grupo social, que não consegue lidar com o
diferente e, em situações extremas, o converte em uma pessoa má e perigosa,
que deixa de ser vista como pessoa na sua totalidade, na sua capacidade de
ação e transforma-se em um ser desprovido de potencialidades. Esse sujeito é
estigmatizado socialmente e anulado no contexto da produção técnica, científica
e humana.
Segundo Goffman, o estigma estabelece uma relação impessoal com o outro;
1
o sujeito não surge como uma individualidade empírica, mas como representação
circunstancial de certas características típicas da classe do estigma, com
determinações e marcas internas que podem sinalizar um desvio, mas também
uma diferença de identidade social.
O estigma é um atributo que produz um amplo descrédito na vida do sujeito;
em situações extremas, é nomeado como "defeito", "falha"ou desvantagem em
relação ao outro; isso constitui uma discrepância entre a identidade social virtual
e a identidade real. Para os estigmatizados, a sociedade reduz as oportunidades,
esforços e movimentos, não atribui valor, impõe a perda da identidade social e
determina uma imagem deteriorada, de acordo com o modelo que convém à
sociedade. O social anula a individualidade e determina o modelo que interessa
para manter o padrão de poder, anulando todos os que rompem ou tentam
romper com esse modelo. O diferente passa a assumir a categoria de "nocivo",
"incapaz", fora do parâmetro que a sociedade toma como padrão. Ele fica à
margem e passa a ter que dar a resposta que a sociedade determina. O social
tenta conservar a imagem deteriorada com um esforço constante por manter a
eficácia do simbólico e ocultar o que interessa, que é a manutenção do sistema
de controle social.
Para Goffman (1993, p. 13), os atributos indesejados são considerados estigmas:
Aquellos que son incongruentes con nuestro estereotipo acerca de cómo debe
ser determinada especie de individuos. El término estigma será utilizado, pues,
para hacer referencia a un atributo profundamente desacreditador; pero lo que
en la realidad se necesita es un lenguaje de relaciones, no de atributos. Un
atributo que estigmatiza a un tipo de poseedor puede confirmar la normalidad
de otro y, por conseguinte, no es ni honroso ni ignominioso en sí mismo.
Retomando o conceito de individualidade virtual e identidade real do sujeito,
o autor sublinha que, quanto mais discrepante for a diferença entre as duas identidades,
mais acentuado o estigma; quanto mais visual, quanto mais acentuada e
recortada a diferença, mais estigmatizante; quanto mais visível a diferença entre
o real e os atributos determinantes do social, mais se acentua a problemática
do sujeito regido pela força do controle social. A discrepância entre as duas
identidades é prejudicial para a identidade social; o sujeito assume uma posição
isolada da sociedade ou de si mesmo e passa a ser uma pessoa desacreditada.
Em conseqüência, passa a não aceitar-se a si mesmo. O sujeito passa a ser o
diferente, dentro de uma sociedade que exige a semelhança e não reconhece, na
semelhança, as diferenças. Sem espaço, sem voz, sem papéis e sem função, não
pode ser nomeado e passa a ser um "ninguém", "um nada", nas relações com o
outro. Não pode ser o sujeito da ação.
Os estigmatizados assumem um papel fundamental na vida dos ditos normais,
pois colaboram estabelecendo uma referência entre os dois e demarcam
assim as diferenças no amplo contexto social. Segundo Goffman (1993, p. 56),
outra possibilidade de os estigmatizados demarcarem seu papel social é quando
sua diferença "no se revela de modo inmediato, y no se tiene un conocimiento
previo (o, por lo menos, él no sabe que los demás la conocen), es decir, cuando
no se trata en realidad de uma persona desacreditada, sino desacreditable".
O desacreditado não necessita manter somente o controle da tensão emocional
diante dos controles sociais, mas um bom controle da informação acerca
dos estigmas, como, por exemplo, dizer a verdade ou mentir a quem, como, onde
e quando queira, em determinada situação ou momento.
2
O autor conceitua a informação social como uma representação social do
sujeito, com suas características mais ou menos permanentes, contrapostas aos
sentimentos, estados de ânimo e à intenção que o sujeito pode ter em dado momento.
São signos que o sujeito transmite para o outro através da expressão
corporal. O autor denominou "social"a tal informação, que pode ser de freqüência
acessível e recebida de forma rotineira. Segundo ele (1993, p. 58), "la
información social transmitida por cualquier símbolo particular puede confirmarnos
simplemente lo que otros signos nos dicen del individuo, completando
la imagen que tenemos de él de manera redundante y segura".
A informação social transmitida por um símbolo pode constituir um registro
especial de prestígio, honra ou posição social privilegiada. O símbolo de prestígio
pode contrapor-se aos símbolos de estigmas. Para Goffman (1993, p. 58),
Los símbolos de estigmas son aquellos signos especialmente efectivos para
llamar la atención sobre una degradante incongruencia de la identidad, y capaces
de quebrar lo que de otro modo, sería uma imagen totalmente coherente,
disminuyendo de tal suerte nuestra valorización del individuo.
A visibilidade do estigma constitui um fator decisivo e aqueles que convivem
com o indivíduo podem exercer influência na apreensão da sua identidade social.
Em um primeiro momento, é necessário diferenciar o que o autor denominou
visibilidade ou evidências do estigma e "conhecimento". Em um sujeito portador
de um estigma muito visível, o simples contato com o outro dará a conhecer o
estigma. O conhecimento que os outros têm do estigmatizado pode ser baseado
nos rumores ou nos contatos anteriores. Outro aspecto a determinar em uma
situação do sujeito portador de um estigma visível é até que ponto isso interfere
em suas interações com o meio social.
A identidade social estigmatizada destrói atributos e qualidades do sujeito,
exerce o poder de controle das suas ações e reforça a deterioração da sua identidade
social, enfatizando os desvios e ocultando o caráter ideológico dos estigmas.
A sociedade impõe a rejeição, leva à perda da confiança em si e reforça o caráter
simbólico da representação social segundo a qual os sujeitos são considerados
incapazes e prejudiciais à interação sadia na comunidade. Fortalece-se o imaginário
social da doença e do "irrecuperável", no intuito de manter a eficácia do
simbólico.
1 Estigmas: caminhos da exclusão social
A sociedade limita e delimita a capacidade de ação de um sujeito estigmatizado,
marca-o como desacreditado e determina os efeitos maléficos que pode
representar. Quanto mais visível for a marca, menos possibilidade tem o sujeito
de reverter, nas suas inter-relações, a imagem formada anteriormente pelo
padrão social.
A escola, muitas vezes percebida de forma positiva, pode parecer inacessível
àqueles que não podem participar dos logros construídos pela sociedade, pois
estão excluídos do processo de desenvolvimento humano.
Para Minuchin (1982), a família é uma unidade social que desenvolve múltiplos
papéis fundamentais para o crescimento psicológico do sujeito, marcando
as diferenças so-ciais e culturais, mas com raízes universais. A família é uma
organização de apoio, proteção, limites e socialização. Tem uma proposta e propriedades
de auto-perpetuação; uma vez favorecido um processo de mudança,
3
a família o preservará, pois as experiências são qualificadas dentro dela e permanecem
na vida do grupo. A família convive com as mudanças de valores, de
padrões éticos, econômicos, políticos e ideológicos da sociedade.
A família transmite a tradição, que representa o cenário do imaginário cultural,
com os significados e significantes dos ritos e mitos do presente e do
passado, construindo sua história particular, marcando as relações internas e
externas, os vínculos afetivos e sociais, com a intenção de estruturar o universo
psicológico dos membros do grupo familiar. Através dos vínculos estabelecidos
na família, o sujeito estigmatizado pode encontrar o suporte para a apreensão
das suas diferenças, no contexto das semelhanças. Pode relativizar a diferença
e acrescentar pontos significativos na sua identidade social, algo diferente no
universo das semelhanças.
Quando os lugares e os papéis não são definidos nas relações sociais, as
histórias se mesclam e as funções são invertidas. Instaura-se a violência que,
vivida na sua história particular, perpassa as fronteiras e vai perpetuar-se na
história do sujeito, constituindo uma herança maldita de componentes destrutivos.
A ausência de vínculos inscreve a desordem, a ausência da autonomia e
da referência do ser individual no contexto do grupo social. A história pessoal
pode ser uma mera repetição da relação com o grupo. Buscam-se componentes
marcados pela impossibilidade de estabelecer vínculos com o grupo de referência;
instaura-se o registro da violência nas relações, estrutura-se o ciclo da
repetição dos componentes destrutivos, que atravessa os espaços, as fronteiras
do individual para o coletivo e, em decorrência, contribui para os desvios dos
sujeitos envolvidos na trama.
Cabe às instituições abrir espaço para a reflexão, propor novas direções e
contribuir para as transformações sociais.
2 Referências bibliográficas
GOFFMAN, Erving. Estigma: la identidad deteriorada. 5. ed. Buenos
Aires: Amorrortu Editores, 1993, 172p.
MINUCHIN, Salvador. Famílias, funcionamento e tratamento. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1982, 238p.
MINUCHIN, Salvador. La recuperación de la familia: relatos de esperanza
y renovación. Buenos Aires: Paidos, 1994, 307p.
MINUCHIN, Salvador. Calidoscopio familiar: imágens de violencia y curación.
Barcelona: Paidos, 1994, 217p.
MELO, Zélia Maria. Bandidos e mocinhos. Universidade Federal de Pernambuco,
1991. (Dissertação, Mestrado em Antropologia).
MELO, Zélia Maria. Violencia y familia: supervivencia en la casa y en la
calle. Espanha, Universidad de Deusto, Bilbao, 1999. (Tese, Doutorado em
Psicologia).
4

O Estigma de cada um

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O Estigma De Cada Um
• Por TATIANA LIMA FERREIRA
• Publicado 26/03/2008
• Psicologia
• Avaliação:
O estigma de cada um
O estigma de cada um
Tatiana Lima Ferreira [1]
GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
Erving Goffman nasceu em 11 de junho de 1922, foi um sociólogo e escritor canadense. Estudou nas universidades de Toronto (B.A. em 1945) e de Chicago (M.A. em 1949, Ph.D. em 1953). Estudou a interação social no dia-a-da, especialmente em lugares públicos, principalmente no seu livro "A Representação do Eu na Vida Cotidiana". Para Goffman, o desempenho dos papéis sociais tem a ver com o modo como cada indivíduo concebe a sua imagem e a pretende manter. Estudou também com especial atenção o que chamava de "instituições totais", lugares onde o indivíduo era isolado da sociedade, tendo todas as suas atividades concentradas e normalizadas. Podem-se citar com exemplo as prisões, os manicômios, os conventos e algumas escolas internas.
A obra Estigma: Notas sobre a manipulação da Identidade deteriorada é uma interessante viagem pela situação de indivíduos incapazes de se confinarem aos padrões normalizados da sociedade, são indivíduos com deformações físicas, psíquicas ou de caráter, ou com qualquer outra característica que os torne aos olhos dos outros diferentes e até inferiores e que lutam diária e constantemente para fortalecer e até construir uma identidade social.
Goffman analisa nesta obra, os sentimentos da pessoa estigmatizada sobre si própria e a sua relação com os outros ditos "normais". Explora a variedade de estratégias que os estigmatizados empregam para lidar com a rejeição alheia e a complexidade de tipos de informação sobre si próprios que projetam nos outros. Este livro, entretanto, ocupa-se especificamente com a questão dos contatos mistos, os momentos em que os estigmatizados e os normais estão na mesma situação social, ou seja, na presença física imediata um do outro, quer durante uma conversa, quer na mera presença simultânea numa reunião informal.
Esta obra é um conjunto de notas sobre comportamentos desviantes que Goffman mantinha para as suas aulas de Sociologia do Desvio no Departamento de Sociologia da Universidade da Califórnia nos anos 60. Durante a leitura destas notas denota-se alguma simpatia pela situação dos estigmatizados e talvez algum do seu interesse neste tema seja pelo fato de Erving Goffman ser judeu, apesar de não se considerar um.
O estigma, a socialização dos estigmatizados, a manipulação da informação sobre o seu defeito e as reações encontradas em situações de integração social são descritas e analisadas ao longo de 158 páginas divididas em cinco capítulos. Os primeiros quatro capítulos analisam a forma pela qual controlamos a circulação de informação que nos poderá desacreditar. O quinto capítulo foca o desvio em si e desafia o estudo do comportamento desviante como uma legítima subdivisão da sociologia. Goffman, para continuar a fazer fé ao seu estilo, não apresenta qualquer capítulo de conclusões nem um anexo metodológico.
No primeiro capítulo é proposta a definição de Estigma, que não é um atributo pessoal, mas uma forma de designação social e a análise da sua relação com a identidade social de cada um. Há três tipos de estigmas: por deformidades físicas; por moralidades e por linhagem de raça, nação e religião.
O segundo capítulo encontra-se organizado por nove pontos nos quais Goffman se ocupa do Controle da Informação e Identidade Pessoal. Começa por salientar a diferença entre o indivíduo desacreditado e o desacreditável, isto é, entre aquele que apresenta aos normais uma discrepância visível entre a sua identidade social real e a sua identidade virtual e entre aquele cujo estigma ou "defeito" não é imediatamente visível nem ainda conhecido pelos outros. A Informação Social é transmitida pela própria pessoa a quem se refere, através de símbolos. Goffman divide os símbolos em três tipos: símbolos de prestígio, símbolos de estigma e desidentificadores (símbolos que tendem a quebrar uma imagem lançando sérias dúvidas sobre a validade da identidade virtual). O terceiro ponto trata da Visibilidade do estigma, ou seja, até que ponto o estigma comunica o que o indivíduo realmente é ou possui. A exposição de Goffman segue então no próximo ponto para a análise específica do conceito de Identidade Pessoal, pois o estigma é influenciado pelo fato de conhecermos ou não, pessoalmente o indivíduo estigmatizado e para a apresentação do que Goffman entende por Biografia do indivíduo (quinto ponto). No sexto ponto, Os Outros como Biógrafos, é tratado o fato dos "normais" conhecerem ou não pessoalmente o indivíduo estigmatizado, regulando este fato as experiências que mantêm acerca do mesmo e as biografias que elaboram para ele. No ponto seguinte, Goffman ocupa-se do Encobrimento do estigma e dos diversos tipos de ameaças à identidade social virtual que a revelação do encobrimento pode desencadear. Avança depois para a análise das diversas Técnicas de Controle de Informação usadas pelos indivíduos que pretendem ocultar um defeito secreto. O nono e último ponto deste capítulo trata da questão do Acobertamento por parte de estigmatizados com defeitos conhecidos, imediatamente visíveis ou passíveis de serem detectados facilmente.
No terceiro capítulo da obra fala-se do Alinhamento Grupal e Identidade do Eu, o capítulo se inicia explicando a diferença entre identidade social e a identidade pessoal, sendo que a primeira nos permite considerar a estigmatização e a segunda o papel na manipulação do estigma, enquanto que no capítulo seguinte, Goffman estuda o conceito do Eu e o seu Outro, ou seja, a situação específica do estigmatizado e a sua resposta à situação em que se encontra, vai se referir ao estigmatizado e o normal como sendo parte um do outro, um processo social de dois papéis no qual cada individuo participa de ambos.
No último capítulo, intitulado Desvios e Comportamento Desviante, Goffman explica um conceito relevante que é o de comportamento desviante, que significa que um membro do grupo não adere às normas analisando a relação entre os estigmatizadores e os comportamentos desviantes, sugerindo em conclusão o estudo dos casos desviantes como um campo específico da disciplina.
Goffman faz uma grande apologia aos indivíduos estigmatizados que sofrem preconceitos por parte da sociedade na qual vivem. O estigma é motivo de exclusão social, olhares desconfiados e fala às escondidas.
Os ditos "normais" se acham no direito de apontar o dedo e julgar essas pessoas de acordo com os seus valores de normalidade. Assim cria-se uma expectativa sobre estas pessoas esperando um tipo de comportamento já programado.
Goffman os defende de maneira a expor os tipos de estigmas, as características centrais de suas vidas, os tipos de socialização e contatos com a sociedade, as vitimizações e as privações.
De qualquer forma, esses fatores causam muito sofrimento ao indivíduo estigmatizado, que acaba por se isolar da sociedade e, assim, perdendo a motivação para modificar seu estilo de vida.
Ao tentar uma aproximação, um contato, eles encontram várias barreiras para conseguirem fazê-los. Quando não conseguem vem a culpa pelo fracasso, surgindo decisões como: esconder o estigma; trocar de nome; a conscientização de que não podem ser eles mesmos, tendo que aprender a serem diferentes e encontrar uma segunda maneira de ser; e, acabam por perder a sua identidade se tornando um objeto da sociedade.
Portanto, os indivíduos que têm um estigma, sobretudo os que têm um defeito físico, podem precisar aprender a estrutura da interação para conhecer as linhas ao longo das quais devem reconstruir a sua conduta se desejam minimizar a intromissão de seu estigma. (GOFFMAN, 1982, p.115)
Não podemos deixar de lembrar do estigma dos "normais": o de preconceituosos. Algumas pessoas ainda têm receio de se relacionar com os portadores de algum estigma, elas precisam se informar mais a respeito desse assunto e, se possível, mudarem de opinião.
O relacionamento entre indivíduos estigmatizados e indivíduos "normais" deve ser como se fosse uma espécie de trato, em que o estigmatizado se sinta inteiro participante da socialização, sem temer ou sofrer nenhum tipo de preconceito; e, para os "normais" não ficarem distantes, devem desenvolver habilidades para aprender a conviver e interagir com eles, não se sentindo, com isso, limitados, mas sim integrados.
Esta obra se destina a todos que se interessem pelas dificuldades dos estigmatizados, ou aos que querem aprender a se relacionar com eles de uma forma a não emitir mais estigmas. Seria importante que todas as pessoas tomassem conhecimento desta obra, para que assim fizessem um exame de consciência e de realidade o que favorece a quebra de preconceitos e a modificação dessa visão, promovendo o respeito mútuo entre as pessoas.
[1 ]Acadêmica do quarto ano do Curso de Psicologia da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Marília
Fonte: Webartigos.com | Textos e artigos gratuitos, conteúdo livre para reprodução. 1

quinta-feira, 5 de março de 2009

O mapa da Exclusão por Claudia Izique

O mapa da exclusãoProjeto indica piora da qualidade de vida em 76 dos 96 distritos da cidade de São Paulo nos últimos dez anosClaudia IziqueEdição Impressa 83 - Janeiro 2003
Pesquisa FAPESP - © Miguel Boyayan

Em 85 distritos, faltam vagas nas escolas de educação infantil, Noutros, como o Pari, há superávit de até 83,49%
A cidade de São Paulo ganhou 1 milhão de excluídos nos dez últimos anos. Atualmente, dos mais de 10 milhões de habitantes da capital, em torno de 8,9 milhões vivem abaixo de um padrão desejável de vida: além de baixa renda, têm dificuldade de acesso à educação, saneamento, habitação, entre outros serviços. Essa deterioração na qualidade de vida da população em 74 dos 96 distritos em que se divide a capital é resultado da ausência ou inadequação de políticas públicas e da carência na oferta de equipamentos sociais.

E o quadro é ainda mais grave: a falta de planejamento aprofundou as desigualdades intra-urbanas. Na Vila Jacuí, por exemplo, há um déficit de mais de 27 mil vagas nas creches, um problema desconhecido para a população do Jaguaré, Brás ou Bom Retiro; para cada novo emprego em Aricanduva são criados 1.114 postos de trabalho na Sé; para cada morador de rua no Morumbi, existem 1.061 na Mooca, e, no Jardim Ângela, a taxa média de homicídios é 28 vezes maior que a de Moema.

Essa topografia social perversa está estampada no Mapa da Exclusão/Inclusão Social da Cidade de São Paulo, destaque do projeto de pesquisa Dinâmica Social, Qualidade Ambiental e Espaços Intra-Urbanos em São Paulo: Uma Análise Socioespacial, desenvolvido no âmbito do Programa de Pesquisas em Políticas Públicas da FAPESP. Resultado de parceria entre Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Instituto Pólis, o mapa, já em sua terceira versão, foi elaborado a partir da comparação dos dados dos censos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 1991, 1996 e 2000, de estatísticas municipais e dados da pesquisa Origem/Destino da Companhia do Metropolitano de São Paulo, que subdivide a cidade em 270 regiões.

A pesquisa utiliza uma metodologia de análise geoespacial e tratamento matemático-computacional das informações em ambiente de Sistema de Informação Georeferenciado (SIG), que permite identificar "o lugar" dos dados nas distintas áreas da cidade e na criação de um Índice deExclusão (IEX) que possibilita classificar os níveis de qualidade de vida nos diversosdistritos de São Paulo."As informações geradas pelo mapa são estratégicas para a definição de políticas públicas adequadas às necessidades de cada região", diz Aldaíza Sposati, coordenadora do projeto e secretária de Assistência Social do município de São Paulo.

Indicadores

O Índice de Exclusão/Inclusão Social (IEX), construído pela equipe de pesquisadores que integra o projeto, é uma espécie de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), utilizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para classificar a qualidade de vida dos países, só que ampliado. Enquanto o IDH utiliza quatro indicadores para avaliar a situação socioeconômica das várias nações, o Índice de Exclusão usa 47 variáveis - que a equipe de pesquisadores chama de "utopias" - agregadas em quatro grandes áreas: autonomia, qualidade de vida, desenvolvimento humano e eqüidade.

Os pesquisadores responsáveis pelo projeto desenvolveram uma metodologia de análise semelhante em Santo André, no ABC paulista, e começam a mapear as desigualdades intra-urbanas nos municípios de Campinas, Guarulhos, Piracicaba e Goiânia. "Os dados principais são do IBGE, mas é fundamental compatibilizá-los com informações das prefeituras", explica Dirce Koga, pesquisadora da PUC-SP, que integra o grupo.

Qualidade de ensino e gênero por Nelly Stromquist

Educação e Pesquisa
Print ISSN 1517-9702
Educ. Pesqui. vol.33 no.1 São Paulo Jan./Apr. 2007
doi: 10.1590/S1517-97022007000100002
ARTIGOS


Qualidade de ensino e gênero nas políticas educacionais contemporâneas na América Latina*





Nelly P. Stromquist

University of Southern California

Correspondência






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RESUMO

Este artigo examina o conceito de qualidade de ensino no contexto das principais políticas globais e regionais propostas por agências financiadoras internacionais – como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento –, por acordos internacionais – como, por exemplo, as políticas previstas pelo Educação para todos e os Objetivos de desenvolvimento do milênio – e também pela sociedade civil global – como o Fórum Social Mundial e o Fórum Mundial de Educação. A análise do conteúdo dos discursos desses grupos distintos e influentes revela que a qualidade é definida e avaliada exclusivamente em termos cognitivos e reduzida a duas habilidades básicas: matemática e leitura. A qualidade, portanto, está dissociada de processos de transformação social, aos quais a educação deveria prestar uma contribuição essencial. Políticas globais de grande vulto, como o Educação para todos e os Objetivos de desenvolvimento do milênio, não consideram a importância da introdução da conscientização de gênero na concepção de uma educação de qualidade. Seus objetivos contemplam o gênero somente no que se refere ao acesso igualitário de meninas e meninos à escola. A autora argumenta que a não-inclusão do gênero no currículo e a não-formação de professores para reconhecer as questões de gênero nas práticas cotidianas da escola e da sala de aula contribuem para a persistência de valores e práticas que reafirmam distinções arbitrárias e assimétricas entre homens e mulheres. Numa perspectiva feminista, a autora enfatiza que é necessário que a qualidade ultrapasse a questão do acesso e inclua o tratamento igualitário de meninas e meninos na sala de aula, bem como um conteúdo curricular que despolarize o conhecimento das identidades de gênero que afetam o cotidiano das pessoas, tais como educação sexual, violência doméstica e cidadania. Além disso, é necessária a inclusão de práticas escolares que desenvolvam personalidades positivas e seguras, tanto nas meninas como nos meninos.

Palavras-chave: Qualidade – Gênero – Políticas educacionais globais – EPT – ODMs.


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O conceito de qualidade situa-se como um dos mais citados nas reformas e políticas educacionais contemporâneas tanto em países desenvolvidos como naqueles menos industrializados. Um olhar cuidadoso sobre os argumentos a respeito de qualidade e nos grupos que os defendem sugere a existência de pelo menos três correntes principais, cada qual sustentando seus próprios pressupostos e buscando objetivos distintos.

Essas correntes podem ser divididas em duas categorias: as que representam políticas fortes ou poderosas, visto que são apoiadas por instituições internacionais e por governos federais; e aquelas que representam políticas fracas, baseadas em reivindicações que emanam de grupos não governamentais. Entre as políticas fortes relacionadas à Educação, dois tipos podem ser destacados. Primeiramente, há as políticas que representam decisões tomadas por agências financeiras internacionais, sobretudo o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, as quais dão ênfase à expansão do contexto econômico e tecnológico da globalização. Por focalizar a competitividade entre os países, essas políticas insistem que a excelência deve ser atingida por meio da elevação da qualidade da educação escolar. Considerando que a qualidade deve ser mensurável, essas políticas estabelecem a avaliação dos alunos e das alunas e a responsabilização das escolas como formas de apuração do desempenho. Uma conseqüência de tais políticas é a substituição das escolas consideradas de qualidade deficiente por escolas melhores, presumivelmente aquelas escolhidas pelos pais, tais como as escolas charter1 ou aquelas criadas a partir de mecanismos de voucher2. Nessas políticas, a qualidade é alcançada indiretamente mediante melhorias na governança e na administração. Essas medidas acabam por chegar à sala de aula na forma de pressão sobre os professores e as professoras, de modo que empreguem o melhor possível suas habilidades para que seja assegurada, dessa forma, a aprendizagem dos alunos e das alunas. Na maior parte dos casos, essas políticas acabam por igualar qualidade com privatização, considerando que os pais parecem estar cada vez mais buscando educação para seus filhos fora do sistema público de ensino. Essas políticas são fortes porque estão vinculadas a medidas de macro-estabilização propostas por instituições financeiras internacionais.

Uma segunda forma de política forte provém de acordos globais, tais como o Educação para todos (EPT) e os Objetivos de desenvolvimento do milênio (ODMs). Essas políticas buscam um acesso mais amplo à Educação Básica, a permanência de alunos e alunas por pelo menos quatro anos na escola, paridade entre meninos e meninas na Educação Primária e Secundária3 e a alfabetização de pessoas adultas4. Uma referência à qualidade da Educação Básica constante nas metas do EPT representa um avanço importante em relação a políticas anteriores, que focavam exclusivamente o acesso à escolarização inicial. Entretanto, os ODMs (que foram elaborados no mesmos ano, 2000) enfatizam prioritariamente o acesso e a conclusão de quatro anos de escolarização, não fazendo nenhuma referência à qualidade em tais objetivos. A força das políticas do EPT que incluem a qualidade (assim como os ODMs) situa-se, sobretudo, no nível simbólico, pois representam princípios éticos e democráticos, bem como a aceitação em nível mundial. Na prática, entretanto, não vêm respaldadas pelo financiamento necessário à sua implementação. O impacto de tais políticas globais nas políticas educacionais nacionais ocorre mais no plano retórico do que no prático. A concretização de ações previstas pelas políticas globais vem caminhando a passos lentos, apesar do considerável tempo que muitos países têm dedicado no planejamento destas ações (Stromquist, 2005; Torres, 2001).

Políticas educacionais fracas são aquelas que emanam de grupos que estão fora das estruturas governamentais oficiais. Atualmente, segmentos crescentes da sociedade civil estão lutando pela Educação, seja apresentando demandas, seja mobilizando grupos significativos por meio de reuniões anuais coordenadas pelo Fórum Social Mundial e pelo Fórum Mundial de Educação. Essas políticas manifestam uma preocupação profunda com o crescimento da exclusão social no mundo e consideram a qualidade do ensino uma forma de combater a negligência imposta a grupos em situação de desvantagem, promovendo a democratização e a justiça social. Uma demanda que tem se destacado nos fóruns mundiais é a educação pública de qualidade. Aqui, a qualidade é discutida não tanto com base na avaliação eficiente de alunos e alunas, mas em investimentos de maior vulto, tais como melhoria na infra-estrutura das escolas e melhores salários para professoras e professores. Essas políticas são fracas não somente porque são propostas por grupos e instituições que estão fora do poder político formal, mas também porque pouco podem fazer, além de organizar campanhas e mobilizar cidadãos para pressionar o governo e as instituições financeiras internacionais.

É relevante observar que enquanto a qualidade do ensino está sendo defendida, seja com base na competitividade econômica ou na solidariedade, os esforços para melhorar a qualidade para certos grupos em desvantagem têm se mostrado pouco efetivos. Além disso, observa-se a ausência das questões de gênero na especificação da qualidade do ensino ou em sua concretização. É como se o gênero não tivesse nada a ver com qualidade. No entanto, será que é isso mesmo? Neste artigo, exploro as principais políticas educacionais que influenciam a América Latina5, de que modo o gênero emerge em tais políticas e como a qualidade é definida no discurso e na prática. Passo, então, ao argumento de que a qualidade, na perspectiva feminista, requer atributos que não são contemplados pelas políticas atuais, concluindo com a afirmação de que para que o conceito de gênero traga alguma contribuição à formulação de políticas é necessário que este seja incluído nas definições de qualidade.



Políticas educacionais na América Latina

Em linhas gerais, o acesso à Educação Primária é praticamente universal nos países da América Latina. Mesmo assim, a região apresenta baixos índices de conclusão da escola primária, acesso insuficiente à Educação Secundária e diferenças significativas entre índices urbanos e rurais. Somente dois terços dos alunos e das alunas que iniciam a Educação Primária chegam a terminá-la (Puryear; Alvarez, 2001). Em 13 países, entre os 16 com dados disponíveis, menos de 90% dos alunos e das alunas chegam à 5ª série (UNESCO apud Puryear; Alvarez, 2001). Os níveis brutos de matrículas na escola secundária estão entre 56% (Puryear; Alvarez, 2001) e 62% (PDNU, 1999)6, sendo que subiram somente 6 pontos percentuais em dez anos, comparado ao aumento de 20% do leste asiático e 11% para o sul da Ásia. O Brasil, o maior país da região e uma das 15 maiores economias do mundo, apresenta somente 19% de matrículas em escolas secundárias (Puryear; Alvarez, 2001).

Apesar da expansão da Educação, a fragmentação social associada à classe e etnia permanece alta na América Latina. O adulto médio pertencente aos 10% mais ricos da população freqüentou a escola por 11,3 anos, comparado a 3,1 anos de estudo dos pertencentes aos 30% mais pobres (OREALC/UNESCO-CEPAL, 2005). Essa diferença de 7 anos de escolarização é similar à observada na Índia, país com contrastes sociais marcados pelo sistema de castas.

Em muitas reuniões internacionais e regionais, os governos latino-americanos têm identificado a Educação como a política isolada mais importante. Certamente esse era o caso na Segunda Cúpula das Américas, em Santiago em 1998, uma reunião na qual foi feita uma análise das várias opções de desenvolvimento para a região. Os objetivos da Educação também estão presentes em numerosos planos globais e regionais. No entanto, a especificidade das ações para alcançar esses objetivos e os recursos financeiros alocados para elas permanecem no plano do discurso.

A Tabela 1 apresenta as quatro principais políticas globais e regionais utilizadas como diretrizes para a educação na América Latina. Todas essas políticas demonstram preocupação com a questão do acesso e da conclusão da Educação Básica. As diferenças existem, entretanto, na definição de Educação Básica, com os ODMs, propondo a duração modesta de quatro anos para essa etapa. Considerando a situação especial da América Latina, a Cúpula de Santiago também estabeleceu objetivos para a Educação Secundária, estipulando o alvo de 75% de cobertura no ano 2010. Os ODMs, que alcançaram visibilidade em anos recentes, não mencionam a gratuidade da Educação nem se referem à qualidade do ensino. O Projeto Regional de Educação para a América Latina e o Caribe (PRELAC), que cobre 15 anos de ação, de 2002 a 2017, continua a reafirmar os objetivos estabelecidos na Segunda Cúpula das Américas, mas também endossa os objetivos do EPT, firmados em Dacar. Resta saber que decisões serão tomadas pelos países latino-americanos, pois os ODMs e o PRELAC discordam em alguns pontos.








Gênero e educação

Conforme estatísticas oficiais de Educação, o número de matrículas escolares de mulheres na América Latina é mais elevado do que o de homens (embora por poucos pontos percentuais) em 11 de 20 países no Ensino Secundário e em 12 desses países no nível terciário (UNESCO, 2004)7. Continua, entretanto, a concentração dos homens nos campos da Engenharia e da Tecnologia e das mulheres, nas Ciências Sociais e na Educação (Subirats, 1998), o que reflete as diferentes representações das mulheres e dos homens na sociedade e de seus papéis sociais.

Os índices de desenvolvimento humano que avaliam o nível de conquista econômica e social indicam que as mulheres estão bem abaixo do dos homens. O Índice de Desenvolvimento de Gênero (IDG) desenvolvido pelo Programa de Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas – PDNU – mostra que em 2005 somente 27 países tiveram uma diferença de menos de 10% entre homens e mulheres. O Índice de Empoderamento de Gênero (IEG), que avalia o nível de poder político e econômico das mulheres, indica que somente um país (a Noruega) teve uma diferença menor de 10% entre homens e mulheres, e que somente 14 países revelaram uma diferença inferior a 20% (PDNU, 2005)8. Além disso, inúmeras evidências indicam que classe, gênero e etnia combinam-se para criar condições substanciais de marginalidade. As mulheres não somente enfrentam condições de subordinação significativas na sociedade, mas as mulheres pobres, indígenas e afrodescendentes deparam-se com uma marginalização ainda maior. Essa é certamente a situação na América Latina.

Considerando que os governos igualam o sexo (representação numérica de mulheres e homens) com gênero, a maioria dos governos latino-americanos supõe erroneamente que o problema de gênero não faz parte da realidade da região. O gênero não é visto como prioridade nos planos educacionais, exceto quanto à questão da melhoria do acesso nos casos onde existem disparidades sérias, conforme revelado por estudos realizados em Costa Rica (Araya, 2006) e Peru (Muñoz, 2006). Existem algumas exceções. Constitui exemplo notável os esforços recentes do Brasil em modificar o currículo e melhorar os livros didáticos, cuja redação atual reflete uma definição exata e mais ampla do gênero em Educação (Vianna; Unbehaum, 2006). A tradução de tais princípios em práticas diárias, entretanto, dependerá da formação e do apoio recebidos pela administração e pelo professorado das escolas em relação a essa temática.

No campo de estudos de gênero, existe uma tensão entre gênero como igualdade e gênero como diferença. Os partidários e as partidárias da primeira corrente buscam igualdade total entre homens e mulheres, e os defensores e as defensoras da segunda levam em consideração as necessidades específicas das mulheres (Phillips, 1998). Fraser (1998) sustenta que a atenção ao gênero exige dois aspectos: a redistribuição ou modificação do acesso aos bens materiais (dimensão econômica) e o reconhecimento ou encaminhamento de injustiças simbólicas e culturais manifestadas em representações estereotipadas das mulheres (dimensão cultural). Essas dimensões são pensadas minimamente em políticas públicas em Educação. O gênero aparece com freqüência, de modo superficial, no contexto da igualdade de oportunidades, retornos compostos por slogans vazios, visto que não são acompanhados por medidas específicas. Ou, então, por meio de respostas que tentam redefinir o gênero, de modo que seja aplicado somente a mulheres pertencentes a grupos vulneráveis como meninas indígenas e do meio rural, longe de considerar o gênero como um fenômeno de diferenciação social e de hierarquia arbitrária que permeia a sociedade.

Políticas globais, como o EPT e os ODMs, promovem a igualdade de mulheres e homens na Educação. Tais políticas promovem o acesso e, em alguma medida, a permanência e a conclusão, mas somente na Educação Básica, não em níveis mais elevados. Nenhuma dessas duas políticas abrange questões de conteúdo ou da experiência de socialização nas escolas, ou seja, deixam de fora tanto o currículo explícito como o currículo oculto e consideram as escolas como instituições neutras. As questões de gênero não emergem em políticas educacionais regionais na América Latina. Os governos endossam os objetivos do EPT e os dos ODMs em termos do acesso. No entanto, como a maioria de outros governos e de agências internacionais de desenvolvimento, os governos latino-americanos não reconhecem os impactos do conteúdo e da experiência da escolarização na construção de noções de feminilidade e masculinidade. Conseqüentemente, as atuais tendências reprodutivas das escolas, bem como o poder da educação formal para incorporar mudanças na socialização e na concepção de gênero são ignoradas.

Há um consenso entre os formuladores e as formuladoras de políticas de que é decisivo trabalhar questões de qualidade e eqüidade (Reimers, 2000; UNESCO, 2005; OREALC/UNESCO-CEPAL, 2005). Entretanto, raramente essas questões são discutidas, e as ações subseqüentes propostas para enfrentá-las raramente incluem o gênero. Esse ponto é desenvolvido a seguir.



Qualidade do ensino

Há cinco aspectos principais de qualidade: suas definições oficiais, suas definições reais, sua ligação com a democracia, sua ligação com o currículo em geral e os vários esforços em andamento para elevar a qualidade nos sistemas escolares.

Definições oficiais

Diversos atributos são atrelados à definição e à medição da qualidade. A definição de qualidade da UNESCO refere-se ao desenvolvimento cognitivo, criativo e emocional. A reunião do EPT, em Dacar, enfatizou a presença da qualidade em quatro momentos diferentes: qualidade dos e das estudantes (saudáveis e motivados), qualidade do processo (professores e professoras com competências pedagógicas), qualidade do currículo (conteúdo relevante) e qualidade do sistema (caracterizada por boa governança e pela eqüidade na distribuição dos recursos) (UNESCO, 2005).

Segundo a UNESCO, a qualidade pode ser medida por meio de diferentes indicadores: proporção aluno/professor, porcentagem de professores e professoras treinados, nível de despesas educacionais e o desempenho dos e das estudantes. No final, seleciona-se um indicador facilmente quantificável: a chegada do estudante e da estudante ao quinto ano da Educação Básica, denominada pela UNESCO de taxa sobrevivência (UNESCO, 2004). Em minha opinião, essa definição de qualidade também resume-se ao desempenho dos alunos e das alunas.

O Relatório de Monitoramento Global do EPT emitiu recentemente um documento centrado na qualidade (UNESCO, 2005). Esse documento oferece um esquema conceitual para medir a qualidade educacional, o qual, considerando vários elementos e resultados finais, dá prioridade à capacidade de ler, escrever e calcular, bem como às habilidades para a vida. Elementos que poderiam contribuir para uma reconfiguração de gênero não aparecem nesse esquema ou na discussão em torno deste. A ampla discussão do relatório sobre qualidade educacional nada oferece no campo do gênero e da cidadania. Claramente, a qualidade está desassociada da transformação de relações vitais na sociedade.

Um documento importante elaborado por instituições do grupo da Organização das Nações Unidas (OREALC/UNESCO-CEPAL, 2005) define qualidade educacional como a fluência em habilidades e conhecimentos que são culturalmente relevantes. A noção de relevância cultural tem sido discutida há muito tempo nas reuniões globais para abordar questões de gênero. No final, tem sido afirmado que a cultura não pode ser invocada para a manutenção das injustiças de gênero. A Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas explicita que os direitos humanos aplicam-se a todos os países. A aplicação desse princípio às mulheres ou é desconhecida ou ignorada por essas importantes agências. O documento da OREALC/UNESCO-CEPAL também reconhece a importância não apenas do acesso, mas também da necessidade de "desenvolver-se nas crianças, na juventude e nas pessoas adultas atitudes de solidariedade e a responsabilida de para com os outros" (p. 26). Resta saber se a solidariedade aqui abrange a solidariedade de gênero.

Definições reais

Na prática, a qualidade é definida de maneira simples: é medida por testes padronizados, sejam estes construídos nacionalmente ou como parte de esforços internacionais de comparação. Com esse tipo de avaliação, o conhecimento escolar passa a ser reduzido a dois conteúdos: matemática e leitura. Por mais importantes que sejam essas habilidades, elas obscurecem outros conteúdos que fazem parte do desenvolvimento do ser humano pleno. O desempenho dos alunos e das alunas está cada vez mais sendo usado como ferramenta para a responsabilização da escola. Contudo, os testes padronizados consideram o desempenho de alunos e alunas somente no fim do processo, não considerando o início (conjunto de subsídios) e o meio (processos internos e em andamento da escola).

Os resultados dos testes indicam que os e as estudantes latino-americanos/as apresentam fraco desempenho em comparações internacionais. Os dois países latino-americanos que participaram do Terceiro Estudo Internacional de Matemática e Ciências (TEIMC), de 1995, tiveram fraco desempenho, recusando-se o México a divulgar seus resultados e a Colômbia acabou terminando próxima à última posição em matemática da 8ª série entre os 41 países que participaram (Puryear; Alvarez, 2001). No TEIMC de 1999, o Chile participou com outros 37 países e descobriu que somente 15% de seus estudantes alcançaram o padrão médio internacional em matemática (Mullis et al. apud Lloyd, 2005). Participando no Programa Internacional de Avaliação de Alunos – em inglês, PISA – em 2000, o Brasil e o México ficaram bem abaixo da média da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE (Lloyd, 2005). Em geral, esses exercícios internacionais de avaliação têm indicado que o desempenho dos países em desenvolvimento tem ficado consideravelmente abaixo do de países industrializados.

Em termos de investimento, a América Latina aplicou recursos, em todos os níveis da educação pública em 1997-98, numa média anual de $137 per capita (OREALC/UNESCO-CEPAL, 2005), enquanto a média de investimento dos países industrializados foi ao menos 10 vezes superior9. Professores e professoras mal remunerados/as freqüentemente abandonam o sistema escolar ou dividem-se em dois ou três empregos para sobreviver. Em termos dos processos, muitas escolas públicas trabalham com múltiplos turnos de aproximadamente quatro horas por dia. Em áreas rurais, os dias letivos são ainda mais curtos. Poucos países fornecem livros didáticos gratuitamente e também poucos possuem bibliotecas ou laboratórios para aumentar o tempo de aprendizagem. Considerando as diferenças gritantes em investimento na Educação e no tempo limitado para a aprendizagem, características dos sistemas de ensino de muitos países em desenvolvimento, pode-se questionar se é apropriado fazer comparações internacionais do desempenho dos alunos e alunas.

Qualidade e democracia

Em documentos de política pública, a qualidade da Educação raramente é definida como fator que mobiliza os alunos para uma sociedade melhor e mais justa. Conseqüentemente, os conteúdos escolares atuais não são questionados nem modificados de forma a contemplar questões de gênero, interculturais e de cidadania inclusiva. A Educação é desigual não somente quanto à classe e etnia, mas também quanto ao gênero (desigualdade manifestada no tempo dado às meninas, expectativas para elas, estereótipos de gênero nos livros didáticos e vários aspectos do currículo oculto) (Kabeer, 2005).

Se a educação deve favorecer o bem comum e se as mulheres representam um agente essencial da mudança, logo é preciso pensar a educação de pessoas adultas, sobretudo, a alfabetização. A importância das pessoas adultas é reafirmada no EPT e nos objetivos regionais. Não é reconhecida nos ODMs, pois a alfabetização emerge somente como um indicador de empoderamento, sendo limitada à faixa etária 15-24 anos, excluindo dessa forma um importante segmento etário, crucial para a transição intergeracional. Em 2002, o PDNU dedicou seu Relatório de Desenvolvimento Mundial à democracia, associando democracia e gênero somente no caso de mulheres afetadas por conflitos internos (PDNU, 2002).

As contribuições feministas para a democracia e cidadania enfatizam que a democracia envolve questões de gênero porque o cidadão pleno tende a ser um homem, pois este usufrui a ordem doméstica e o tempo necessários para agir na esfera pública (Pateman, 1998; Preece, 2002). Se as escolas não abordam essas questões, não se pode esperar o desenvolvimento de mentes abertas e propensas à transformação em alunos e alunas e, subseqüentemente, nas pessoas adultas cidadãs. Essas contribuições teóricas feministas não parecem ter alcançado muitos governantes e equipes de trabalho nas agências internacionais de desenvolvimento.

Questões de currículo

De modo geral, os currículos na América Latina para as escolas primárias e secundárias são ricos e bem planejados. As prescrições tendem a cobrir muitos temas e, julgando pelo programa de estudos dos alunos e das alunas, diversas disciplinas são ministradas a cada dia. Mesmo assim, com um grande número professores e professoras mal-treinados, apenas parte do currículo é coberta durante o ano letivo. Outras características do trabalho escolar incluem a heterogeneidade das classes e a curta duração tanto das aulas como do ano letivo. Especialmente nas áreas rurais, há um absentismo considerável por parte do corpo docente e de alunos e alunas. Enquanto o número oficial de horas de estudo por ano letivo no Peru é de 1.000, nas áreas rurais os alunos e alunas acabam tendo um total aproximado 200 horas de aulas. Em muitos países na região latino-americana, a escolarização foi expandida criando-se múltiplos turnos nas mesmas escolas. É comum para alunos e alunas de áreas urbanas freqüentarem a escola pública em turnos de quatro horas por dia, o que normalmente acaba se reduzindo a três horas de tempo real de trabalho.

Existem poucos estudos comparativos de currículo para a América Latina. Uma pesquisa recente, comparando quatro países (Peru, Colômbia, Chile e Argentina), concluiu que problemas importantes no estágio de implementação são o treinamento de professores e professoras insuficiente e a incapacidade de adaptação do currículo às condições locais (Ferrer, 2004). Normalmente, apenas parte do currículo é estudada e a oportunidade de aprendizagem em sala de aula em escolas públicas é limitada. As avaliações de desempenho indicam que os alunos e as alunas, em média, acertam 50% das perguntas propostas e que esses resultados não são utilizados para melhorar o ensino em sala de aula, mas para promover a responsabilização escolar e política (Ferrer, 2004).

Grande quantidade de pesquisas empíricas - provenientes das áreas de Educação, Demografia e Saúde - indicam que a Educação está ligada indiretamente, mas de forma decisiva, ao empoderamento das mulheres, visto que dela resultam mães mais capacitadas, menores índices de doenças infantis e familiares, nutrição mais adequada, maior taxa de sobrevivência e bem-estar maternos, decisões econômicas mais acertadas, menor ocorrência de violência doméstica e melhor capacidade de lidar com o mundo exterior. No entanto, a Educação, conforme ministrada atualmente, tem também aspectos negativos. Um deles é que "não capacita as mulheres para questionar o mundo e o status subordinado atribuído a elas" (Kabeer, 2005, p. 17). Numa perspectiva de gênero, os currículos apresentam algumas lacunas, sobretudo em relação à cidadania e à educação sexual. A maioria dos livros didáticos da América Latina foi submetida à revisão, principalmente para modificar a linguagem e promover a inclusão do gênero. Os livros são de qualidade muito diversa e o tratamento adequado do gênero (bem como de questões étnicas e de minorias) depende de seus autores, visto que livros didáticos focados no gênero são inexistentes. Um exame recente dos livros didáticos indica que estes ainda trazem estereótipos sexuais, particularmente os livros de leituras para jovens estudantes (Subirats, 1998; Graña, 2005; Muñoz, 2006).

Com os acordos globais, os formuladores e as formuladoras de políticas educacionais têm empenhado esforços para incluir o gênero como tema transversal no currículo. Isso tem se mostrado bastante ineficaz, pois a falta de formação específica no campo do gênero tanto para governantes como para educadores e educadoras impede a produção de uma coorte de profissionais da Educação com conhecimento do tema e, assim, capazes de visualizar suas dimensões quando tentam integrá-lo ao currículo.

Intervenções para a melhoria da qualidade

Duas medidas significativas estão sendo implantadas atualmente para melhorar a qualidade educacional, trazendo a expectativa de afetar de modo indireto, porém eficaz, o funcionamento das escolas e, conseqüentemente, o desempenho dos alunos e das alunas: a descentralização e a privatização. Enquanto os mecanismos que promovem a melhoria da qualidade ainda não foram teorizados, o pressuposto é de que a proximidade da comunidade escolar (ou dos usuários e das usuárias) trará uma maior fiscalização e uma maior identificação com a escola. A privatização supõe que o mercado opera muito melhor do que o Estado. A descentralização conjetura que os recursos humanos e financeiros são gastos com mais eficiência no nível local. No entanto, evidências empíricas mostram que se não forem investidos recursos suficientes nas áreas locais, haverá diminuição da qualidade. Nesse caso, a descentralização serviria, como muitos temem, para promover a privatização da Educação. Alguns associam a avaliação à descentralização de modo negativo, argumentando que a avaliação nacional – como meio de impor algum grau de uniformidade (responsabilização) – na verdade acaba por remover a autoridade local do currículo e colocá-la nas mãos de uma burocracia avaliativa nacional e, em alguns casos, supranacional.

A qualidade pode ser melhorada mediante medidas que afetam todos os alunos e as alunas ou medidas que auxiliam os que estão em maior desvantagem, dando a estes formas especiais de assistência. Isso nos leva à questão da eqüidade.

Parece não haver acordo quanto às diferenças entre qualidade e eqüidade. Enquanto a qualidade está vinculada a algum indicador de resultados razoáveis, a inclusão de contribuições e indicadores de processos cria uma sobreposição desses dois termos. Mencionei anteriormente que a UNESCO está propondo a utilização da 'taxa de sobrevivência' como mecanismo de medição de qualidade (UNESCO, 2005). No entanto, o mesmo documento, quando discute a igualdade na Educação, também se refere à taxa de sobrevivência como um indicador-chave. A eqüidade, conforme OREALC/UNESCO-CEPAL (2005), refere-se a situações de pobreza. Reconhecem que "outras fontes de desigualdade permanecem, como classe, gênero, etnia e território" (p. 26), contudo, não aprofunda essa questão.

Num estudo no qual examina numerosas intervenções para a elevação da qualidade na América Latina, Anderson (2005) enfatiza o desempenho dos alunos em língua e matemática e considera o fornecimento de alimentos, ajuda financeira, transporte e uniformes como intervenções para elevar a qualidade. Não são essas intervenções também parte de esforços em direção à eqüidade? Em que ponto a eqüidade e a qualidade se fundem?



A qualidade do ensino na perspectiva feminista

Nessa perspectiva, a qualidade educacional é um conceito abrangente, a qual requer uma definição para além do desempenho cognitivo, incluindo valores e práticas que transformem as noções de gênero na sociedade. A qualidade, então, cobriria quatro componentes: (1) tratamento igual do professor e da professora para meninos e meninas na sala de aula, de modo que suas expectativas e práticas considerem cada aluno e aluna como merecedor/a de um bom ensino; (2) conteúdo curricular que transcenda as disciplinas tradicionais e inclua mensagens que possam mudar as mentalidades das novas gerações a favor de uma identidade de gênero menos polarizada entre a masculinidade e a feminilidade; (3) a transmissão de conhecimentos que afetem as vidas de meninas e meninos, como a educação sexual10, a discussão do fenômeno da violência doméstica e o exercício de uma cidadania autônoma – desvinculada, no caso das mulheres, da maternidade e do casamento; (4) práticas escolares que promovam o desenvolvimento de personalidades seguras, auto-estima e respeito pelas atitudes democráticas na escola e na sociedade. É crucial incorporar esses elementos na definição da qualidade, caso contrário, o espaço para lidar-se com o conteúdo e a prática estará perdido.



Considerações finais

Apesar das contribuições comprovadas das mulheres ao bem-estar social e ao crescimento econômico e apesar também do grande número de convenções e acordos internacionais que destacam a importância da valorização da Educação das mulheres, as escolas não são suficientemente utilizadas como espaços para modificação das relações do gênero. Enquanto a participação das mulheres é crescente na escola, o currículo e a experiência escolares ainda estão distantes de criar formas de promover a iniciativa, a auto-estima e a confiança das mulheres.

A Educação é um setor que conta com poucos partidários e muitos militantes de ocasião. É um setor que vivencia momentos de grande discurso e períodos prolongados de negligência. O desafio da globalização força muitos governos a discutir a competitividade econômica em lugar da justiça social e da eqüidade.

Numa região como América Latina, a batalha crescente pela Educação não está meramente em seu nível básico, mas cada vez mais nos níveis secundário e terciário. Definições de qualidade necessitam ser ampliadas para incluir as necessidades e as condições de estudantes de mais idade. Além disso, o conceito de qualidade necessita ser expandido para incluir ganhos pessoais durante trajetória, os quais vão além da leitura e da matemática. Se a qualidade nos países pobres for medida com testes padronizados, os recursos financeiros serão destinados mais à indústria de produção dos testes do que à melhoria do ensino. Será vital moldar a Educação de modo que o conteúdo dos currículos, o conteúdo dos livros didáticos e a formação de professores e professoras nas dimensões de gênero possam ser considerados pontos centrais no processo de reforma educacional, pois esses elementos constituem intervenções mais diretas do que a descentralização e a privatização.

Uma contribuição importante resta a ser feita em conjunto com as linhas conceituais. É importante o desenvolvimento de definições mais completas e socialmente mais inclusivas de qualidade educacional. Qualidade para quem? Para que finalidade? Que forma de avaliação? A medição da qualidade não deve centrar-se meramente em resultados, mas também refletir as contribuições e os processos que conduzem a esses resultados. A avaliação da qualidade deve ir além dos indicadores quantitativos dos testes padronizados, explorando também expressões mais qualitativas dos processos democráticos, incluindo a observação de práticas menos polarizadas na perspectiva de gênero tanto na escola como na sociedade.



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Correspondência:
Nelly P. Stromquist
Rossier School of Education
University of Southern California
Los Angeles, CA 90089-4039
e-mail: stromqui@usc.edu

Recebido em 03.11.05
Modificado em 29.03.06
Aprovado em 03.05.06





Nelly P. Stromquist é professora de Educação da University of Southern California e especialista nas questões de gênero, as quais estuda a partir de uma perspectiva sociológica e política. Escreveu diversos livros e numerosos artigos sobre temas que incluem alfabetização de adultos, inovações, ONGs feministas e política educacional. Recentemente, completou uma pesquisa com o auspício da Fundação Fulbright para estudar as transformações na profissão acadêmica no contexto das tendências da globalização (The Professoriate in the Age of Globlalization, Sense Publishers, 2007).
* Tradução do original em inglês feita por Elisabete Regina Baptista de Oliveira.
1. N.T. Escolas públicas semi-autônomas que estão isentas de muitas das regras que se aplicam a estas nos Estados Unidos. Geralmente são organizadas por educadores, pais, grupos comunitários ou organizações privadas com objetivo ou filosofia expressos, e são geralmente financiadas pelos mesmos fundos recebidos pelas escolas públicas tradicionais.
2. N. T. Os vouchers são uma espécie de vale-educação distribuídos pelo governo do país, recebidos pelos pais, para matricularem seus filhos em escolas (geralmente privadas) de sua preferência.
3. N.T. Neste artigo, as denominações Educação Primária, Secundária e Terciária devem ser compreendidos aos equivalentes, no Brasil, Educação Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior, respectivamente. Em alguns casos expressos, a autora utiliza Educação Primária referindo-se somente ao 1º ciclo do Ensino Fundamental e Educação Básica, como as séries iniciais da escolarização, equivalendo, de forma geral à Educação Fundamental brasileira.
4. Os ODMs constituem o único conjunto de políticas globais que busca paridade não somente na Educação Primária e Secundária, mas também na Terciária. Esses objetivos consideram a necessidade de alfabetização, mas somente para a faixa etária 15-24 anos.
5. Reconheço que a América Latina é muito diversificada, tanto em termos de habitantes, tamanho dos países e nível de desenvolvimento econômico. Mesmo assim, a região possui pontos em comum no aspecto cultural e no aspecto histórico que permeiam seus sistemas educacionais.
6. A disparidade de 6 pontos no número bruto de matrículas sugere uma medição imprecisa de alunos dentro e fora do sistema educacional.
7. Educação Superior ou Terciária refere-se não somente à universidade, porque as estatísticas combinam todos os tipos de instituições pós-secundárias. A maior presença de mulheres no Ensino Superior não implica o predomínio feminino, mas o fato de que as mulheres precisam alcançar níveis educacionais mais elevados para competir com os homens em posições similares no mercado de trabalho.
8. O IDG consiste de quatro indicadores (expectativa de vida, pessoas adultas alfabetizadas, média de anos de escola e o PIB per capita) ajustados por desigualdades de gênero. O IEG consiste de quatro indicadores (proporção de renda de homens e mulheres, porcentagem de mulheres no parlamento, porcentagem de legisladoras mulheres e porcentagem de mulheres profissionais e trabalhadoras técnicas).
9. Outra estatística educacional significativa é o custo-aluno. Nesse sentido, os países da OCDE gastaram em 2002 por volta de $ 5273 por aluno no nível primário (OCDE, 2005). O investimento educacional de países como o Japão e os Estados Unidos é ainda maior: $ 6117 e $ 8049, respectivamente.
10. Esse ponto específico é fortemente contestado pela igreja Católica, a qual se opõe à disseminação de informação referente a tecnologias contraceptivas e direitos reprodutivos.


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Pluralidade Cultural por Alexandre Campos

Cadernos de Pesquisa
ISSN 0100-1574 versão impressa
Cad. Pesqui. v.34 n.123 São Paulo set./dez. 2004
doi: 10.1590/S0100-15742004000300013
RESENHAS





Alexandre Cândido de Oliveira Campos

Professor de Ensino Fundamental e Mestrando da Faculdade de Educação da USP acandido@usp.br





PLURALIDADE CULTURAL E INCLUSÃO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORAS E PROFESSORES: GÊNERO, SEXUALIDADE, RAÇA, EDUCAÇÃO ESPECIAL, EDUCAÇÃO INDÍGENA, EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Margareth Diniz e Renata Nunes Vasconcelos (orgs.)
Belo Horizonte: Formato, 2004, 187p. (Série Educador em Formação)

Os estudos sobre currículo têm indicado a necessidade premente de se repensar a formação dos professores no sentido de possibilitar-lhes maior contato com os subsídios que movimentam o debate curricular atual. Entende-se que os professores não apenas aplicam, mas reinterpretam as diretrizes curriculares que lhes são apresentadas a partir de suas próprias leituras de mundo e que, por isso, precisam refletir coletivamente sobre sua prática, de forma a desenvolverem consistentemente tanto o ensino como a si mesmos como profissionais.

Quando o que se busca é a oferta de uma escola que respeite as diferenças, a preocupação com a prática docente se acentua, pois o preconceito e a segregação ocorrem, no mais das vezes, de maneira sutil no cotidiano escolar. Lidar com as diferenças "exige sensibilidade diante de qualquer discriminação no trato cotidiano, evitando que os próprios docentes sejam a fonte de juízos, atitudes e preconceitos que desvalorizem a experiência de certos grupos sociais, culturais, étnicos ou religiosos" 1.

É nessa problemática que percebo inserida a coletânea aqui comentada, não como uma mera reunião de textos afins, mas como um conjunto coeso de reflexões que, na perspectiva de um multiculturalismo crítico, abordam separadamente as diferenças, usando linguagem cuidadosa e acessível. Com isso demonstra-se a preocupação de oferecer aos professores importantes ferramentas teórico-conceituais para lidarem, de forma mais consistente, com a pluralidade cultural no cotidiano escolar.

A questão do gênero é tratada no texto "O que produz o silenciamento das mulheres no magistério?", de Margareth Diniz, Renata Vasconcellos e Shirley Miranda. As autoras fazem um resgate histórico da relação entre o gênero feminino e a educação, problematizando os discursos sociais produzidos nesse contexto.

Mostram de que forma, ao longo da história, a inserção da mulher no magistério ocorreu sem que fosse rompida a vinculação do seu papel doméstico e de mãe. Esse processo colaborou com a naturalização dos papéis sociais da mulher e, conseqüentemente, para o seu silenciamento. Consideram, porém, que com o desenvolvimento do conceito de gênero foi possível um estudo mais aprofundado da questão, uma vez que ele possibilita a reflexão sobre o espaço feminino numa perspectiva histórica e global.

Apontam diversas situações que revelam as representações dos papéis relativos aos gêneros no espaço escolar, como no "discurso da queixa" e no discurso "amoroso". A partir da análise desses dois discursos perguntam: até que ponto a "escolha" pelo magistério não seria uma forma de adequação, por parte das mulheres, a um papel social já determinado? A expressão "escolha" é largamente discutida sob a perspectiva da psicanálise. Nesse sentido, são questionados os discursos já construídos a respeito da presença feminina no magistério, buscando-se tensionar criticamente sua escolha profissional com vistas à maior flexibilidade quanto às opções.

Em "À flor da pele", Paulo Henrique de Queiroz Nogueira constrói uma argumentação enriquecida com analogias que apresentam a sexualidade como algo múltiplo e diverso.

Em sua argumentação, mostra que não há o "sentido" correto para a sexualidade. No entanto, ao ser construída socialmente, ela vai sendo caricaturada de forma a discriminar algumas das formas de manifestá-la. Ainda que façamos parte da construção desses sentidos há momentos em que situações nos constrangem, pois ferem essas certezas estabelecidas. Valendo-se da psicanálise, o autor busca respostas para uma série de interrogações sobre a relação entre a "fantasia" e essas situações consideradas constrangedoras. Afirma que, ao discutir o conceito de fantasia, Freud desenvolve um quadro teórico que "desculpabiliza a sexualidade ao retirá-la do campo da moralidade e do pré-julgamento; ao mesmo tempo, leva a pensar que as fantasias dos infelizes estão nas formas como a subjetividade se expressa e dá sentido à existência" (p.62).

Para o autor a escola, levando em conta esse quadro teórico, busca satisfazer um novo discurso sobre a sexualidade no qual ela não esteja enquadrada em padrões morais. Questiona, porém, a forma como o novo discurso sobre a sexualidade se constrói, sobretudo nos parâmetros curriculares nacionais, no texto "Pluralidade cultural/orientação sexual" que, apesar de não restringir a sexualidade a uma moralidade religiosa, pode direcionar seu enquadramento a uma outra moralidade: a científica.

No lugar de um ensino prescritivo sugere mais atenção aos sujeitos e aos sentidos que estes atribuem a sua sexualidade. É a partir da compreensão desses sentidos que se pode elaborar formas de intervenção mais adequadas e tolerantes às diferenças.

A questão racial é discutida por Nilma Lino Gomes em "Práticas pedagógicas e questão racial: o tratamento é igual para todos/as?". A autora inicia demonstrando como a retomada de lembranças de ocorrências racistas pode subsidiar reflexões que colaborem com a formação docente. Aponta porém algumas dificuldades para promover tais reflexões, sobretudo devido aos processos de naturalização do racismo desenvolvidos na sociedade.

Na escola essa naturalização também ocorre e estorva o desenvolvimento de uma pedagogia da diversidade, uma vez que faz com que os professores não se sintam indignados o suficiente para promoverem uma ação efetiva contra o racismo. Segundo a autora, uma forma de aguçar a indignação é oferecer dados que revelem a realidade do racismo. Buscando oferecer um pouco desses instrumentais, a própria autora passa a apresentar algumas inquietantes estatísticas a respeito da inserção educacional do negro no Brasil.

Indica também a necessidade da superação do mito do "paraíso racial" atribuído ao país, vez que ele nega o conflito. Melhor seria, exemplifica, trabalhar a história do Brasil de forma a desvendar um passado que possa contribuir com o desenvolvimento da identidade negra brasileira, indicando que isso poderia ser feito pela abordagem das questões da diáspora dos negros e do papel exercido pela religiosidade na rearticulação da identidade negra no Brasil.

Argumenta que a tarefa pedagógica de desenvolver o debate que tenha como eixo a luta contra o racismo deve ser coletiva, pois se trata de algo que envolve valores universais, como a democracia, a tolerância e a convivência com a diversidade.

O texto "Da educação especial à educação inclusiva", de Margareth Diniz e Mônica Rahme, oferece um panorama histórico dos discursos produzidos sobre as pessoas com "deficiência" e suas implicações no tipo de atendimento escolar. Mostra que tradicionalmente a abordagem da deficiência era feita com caráter assistencialista. Aponta o surgimento da educação especial, ou seja, um modelo educacional especialmente concebido para os deficientes, situado à margem do sistema regular de ensino e orientado pelo discurso médico. Com a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas - ONU -, em 1981, cunha-se a concepção do deficiente como pessoa com direitos. Assim, o discurso jurídico passa a indicar (juntamente com o médico) o que fazer com os deficientes.

Diniz e Rahme discutem as implicações da perspectiva do déficit na educação de maneira geral e na educação especial. Defendem a mudança dessa perspectiva, que parte do que a pessoa não tem, para a perspectiva da produção, "na qual o educador e a educadora teriam de buscar conhecer melhor a originalidade e a dinâmica do sistema de aprendizagem de seus alunos, para ajudá-los a encontrar o caminho das possíveis conquistas" (p.121).

A partir daí, analisam dois modelos que orientam as atuais formas de atendimento escolar às pessoas com deficiência: o da integração e o da inclusão. O da integração, prevê a especialização do atendimento ao portador de deficiência até o momento em que ele se mostre pronto para o ingresso na escola comum. Já o modelo da inclusão propõe que seja ofertada uma mesma escola para todos, de forma que as dificuldades e as diferenças não sejam um impedimento para a sociabilidade, mas um indicador dos rumos dos projetos pedagógicos a serem desenvolvidos.

Concluem destacando que um dos empecilhos à inclusão é o fato de vivermos numa "sociedade do estereótipo". Consideram que todos possuem estereótipos; o problema ocorre quando, a partir deles, discrimina-se e exclui-se aqueles que não se encaixam nos padrões escolhidos.

Outra questão colocada pela criação de estereótipos ocorre em relação aos povos indígenas. O texto de Macaé Maria Evaristo e Patrícia Moulin Mendonça - "Índios de verdade? A diversidade cultural, a questão indígena e a escola" - expressa uma preocupação com os problemas gerados pelo estabelecimento de um "modelo indígena".

O que seriam "índios de verdade"? Numa tentativa de desconstruir a forma tradicional de perceber os indígenas, as autoras denunciam que a expressão "índios" é freqüentemente utilizada de modo genérico e no passado. Assim se forma uma imagem segundo a qual os indígenas são todos iguais e sua cultura não se transforma ao longo do tempo. Contra isso, sobre as diferenças existentes entre os vários povos indígenas e sobre sua historicidade, ou seja, eles não são estáticos culturalmente, transformam costumes, tecnologias, economia e crenças ao longo do tempo.

Exemplificando essa historicidade, assinalam os vários períodos e orientações da relação entre os povos indígenas e o Estado brasileiro: o Serviço de Proteção ao Índio - SPI (criado em 1910), a Funai (1967), o Estatuto do Índio promulgado em 1973, as organizações não governamentais - ONGs - das décadas de 1970, até as garantias anunciadas pela Constituição de 1988, que "reconheceu a pluralidade cultural e o multilingüismo, a organização social, os costumes as crenças e línguas das sociedades indígenas que convivem com a sociedade brasileira" (p.147).

Coerentes com a concepção de que cada povo indígena mantém suas especificidades, as autoras passam a tratar designadamente dos índios xacriabás. Resgatam sua história destacando o processo de demarcação das terras e a relação com o espaço escolar da rede oficial do Estado de Minas Gerais e do município de Itacarambi. Relatam as expectativas e decepções que as lideranças xacriabás mantinham em relação ao atendimento escolar. Ao observarem a escolarização dos xacriabás, as autoras destacam uma série de práticas que constituem interessantes pontos de reflexão para a educação de maneira geral. A autonomia na organização do trabalho escolar, caracterizada por uma gestão comunitária, possibilita, por exemplo, que a própria comunidade escolha os professores. Essa autonomia estende-se para a escolha e confecção do material didático, permitindo que cada vez mais os próprios professores elaborem-nos. Como conseqüência, o saber local pode fazer-se presente no currículo, colaborando para o fortalecimento da identidade desse povo.

Em "A educação de jovens e adultos: a diversidade de sujeitos, práticas de exclusão e inclusão das identidades em sala de aula", Charles Moreira Cunha e Maria Clemência de Fátima Silva, apresentam as iniciativas de educação de jovens e adultos ao longo da história e fazem uma reflexão sobre as particularidades que marcam esse público.

Mostram que mesmo considerando todas as iniciativas, o Estado tem deixado lacunas, sobretudo em relação ao financiamento dessa modalidade de ensino. Diante de tais deficiências tomam a frente da Educação de Jovens e Adultos - EJA - outros atores sociais como "sindicatos, centrais sindicais, ONGs, igreja e associações de bairro. Em muitos casos, essas organizações transferem suas experiências para os sistemas públicos de ensino, sejam eles na cidade ou no campo" (p.165).

A respeito dos professores, relatam que era comum encontrar argumentos que justificavam a escolha pela EJA, devido ao trabalho ser considerado mais fácil do que aquele com crianças e adolescentes. Evidenciam, porém, que essas concepções têm mudado e que os espaços ocupados pelo tema nos vários setores da sociedade movimentam um intenso debate sobre essa modalidade de ensino.

As questões levantadas sobre a EJA indicam a necessidade de o projeto pedagógico levar em conta as singularidades dos/as alunos/as, sobretudo, no que se refere a raça, gênero e geração. As autoras lamentam, porém, a forma fragmentada pela qual tais questões têm sido abordadas nas escolas. Lembram que no caso dos/as professores/as, o papel que exercem como profissionais e acadêmicos/as tem sobreposto outros aspectos de sua identidade. Admitem a dificuldade de se promover um trabalho que valorize os sujeitos diante de identidades sobrepostas. Nesse sentido, indicam que "a escola poderá criar situações em que todos, professores/as e alunos/as venham perceber o próprio cotidiano, conflitos, contradições e ambigüidades. Deixar falar não somente a voz, mas o corpo, o gênero, a raça e a geração" (p.180-181).

Numa última consideração a respeito da obra como um todo, é possível dizer que, mesmo diante de diferenças diversas, muitos dos caminhos propostos pelas autoras assemelham-se. É recorrente em seus textos a indicação da reflexão individual e coletiva da comunidade escolar a respeito do relacionamento com o diferente. Eles também evidenciam a necessidade da exploração/estudo do tema, no que, aliás, esta obra se adianta, ao oferecer várias dimensões da relação entre educação e pluralidade cultural. No entanto, o ponto em que os textos mais convergem é o da defesa da inclusão, que implica dar atenção à voz dos diferentes mediante a viabilização de sua presença no espaço escolar, respeitando as suas particularidades. Somente com essa presença é possível a cada um o conhecimento de si mesmo e do outro, e de si mesmo no outro, fortalecendo as bases de um coletivo de pessoas diferentes, mas iguais.





1 SACRISTÁN, J. G. Currículo e diversidade cultural. In: SILVA, T. T.; MOREIRA, A. F. (orgs.) Territórios contestados: o currículo e os novos mapas político culturais. Petrópolis: Vozes, 1995. p.82-113.


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Além do Belo e do movimento...

Além do belo e do movimento: experiências sobre ensino e apreciação da dança
Ida Mara Freire

A experiência da dança na formação de professores

As leituras, as escrituras, as danças, os encontros, transformam o nosso ser. E o mundo, também não é mais como hoje de manhã; nascimentos, mortes, promessas, desacordos, guerra e paz marcam o tempo e a pluralidade. Assim nota-se a diferença, examina-se o estigma e justifica-se a educação. Ao ler o texto de Roland Barthes (1988) “Au séminaire” refletimos se não seria esse contexto para se propor a experiência da dança na formação do professor. Afinal, o que é um seminário? Um lugar real ou um lugar fictício? “O seminário (real) é para mim objeto de um (ligeiro) delírio, e que estou, literalmente, enamorado desse objeto”: anuncia Barthes (1988 p.333). Um espaço geométrico composto pelo institucional, o transferencial, e o textual. Na instituição há uma freqüência, um horário, um lugar, um curso. O espaço transferencial, estabelecido entre o coordenador do seminário e seu auditório, cujo papel é liberar a cena onde vão estabelecer-se transferências horizontais: o que importa em tal seminário não é a relação dos ouvintes com o coordenador, mas a relação dos ouvintes entre si. Neste contexto, a relação docente não é aquela de quem ensina para quem é ensinado, mas a relação dos ensinados entre si. Enfim, o espaço é textual: quer o seminário aspire produzir um texto, escrever um livro; quer, ao contrário, considere que sua própria prática, a sua própria dança – infuncional – já é um texto, eis um texto raro, aquele que não passa pela escritura. Essa proposição é um gesto que Barthes traça no espaço. Quem sabe um ponto, uma linha, presentes na superfície da tela de Kandinsky (apud Düchting, 1994) que examina cada aspecto separadamente, sem perder de vista a relação dos mesmos entre si.

O espaço e o corpo espelhados neste texto é o da dança no contexto escolar. Na leitura de Julio Groppa Aquino (1998) a escola não só acolhe as diferenças humanas e sociais encarnadas nos grupos que ali estão, mas o lugar de onde se engendram novas diferenças. Este espaço privilegiado da alteridade é enfocado pelo autor na perspectiva de quatro ângulos: o institucional, o ideológico, o legal e o teórico. Pode parecer que a ética neste contexto seja uma lição que não se ensina. No entanto, ao nos depararmos com o outro, diferente de nós, reconheceremos que temos muito que aprender sobre a mesma. Deste modo, a escola, enquanto espaço de ensino e apreciação da dança pode ser percebida assim: impulso criativo para a leitura e a escrita sobre a diferença no contexto escolar, um caminho pouco trilhado, até mesmo improvisado para chegarmos a compreensão de temas que nos são caros.

O presente trabalho é oriundo da pesquisa intitulada: Interrogação e intuição: corpo, diferença e arte na formação de professores (Freire, 2006), que investiga como as experiências do pensamento e do corpo vivido são vivenciadas no processo de criação artística envolvendo jovens e adultos com cegueira e alunas da graduação em Pedagogia / UFSC. Tendo como problema de pesquisa a indagação: como reconhecer os caminhos de ensino-aprendizagem do corpo vivido na experiência estética? No que se referem aos objetivos, esses foram assim formulados: a) Examinar a noção de ação criadora a partir da proposição e aplicação de um método de ensino da dança para professores em formação. b) Conhecer como professores em formação e platéia percebem a contribuição do dançarino com cegueira no processo coreográfico. Vale salientar, que nossas pesquisas têm tido como finalidade descrever as experiências de ensino da dança, examinando sua implicação para quem vê e quem não vê, ou seja, as pessoas não-visuais . Propomos a dança no curso de pedagogia, como uma possibilidade democrática do ensino de dança nas escolas públicas com vistas à apreciação da dança e seu impacto para o espectador. E refletimos acerca das experiências com a dança e com a cegueira, e como estas se apresentam como caminhos transformadores, quase desconhecidos na formação de professores.

A experiência do corpo vivido e a experiência do pensamento

O tema aqui proposto reflete nossas principais indagações acerca da formação docente, investigamos sobre a relação entre razão e o sensível, o pensar e o criar, a identidade e a alteridade presentes no saber e fazer pedagógicos. Nossas proposições se apóiam nas obras de Hannah Arendt e Maurice Merleau-Ponty. Se da primeira autora podemos apreender a experiência do pensar, do segundo apreendemos a experiência do corpo vivido.

O que é fenomenologia? O que é o pensar? Como posso ver uma coisa que se põe a me ver? Essas indagações partiram das obras de Edmund Husserl (1859-1938), Hannah Arendt (1906-1975) e Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), e foram propostas com o intuito de exemplificar o estilo fenomenológico. Os textos examinados aqui descrevem a experiência do pensamento de cada autor. Se Husserl explicita a experiência originária, Arendt nos descreve a experiência do pensamento e, Merleau-Ponty nos desperta para a experiência do corpo vivido. Essas experiências apresentam um modo especificamente humano de mostrar que estamos vivos, e como Arendt (1993) nos recomenda, necessitamos nos reconciliar com um mundo em que nascemos como estranhos e no qual permaneceremos como estranhos em nossa inconfundível singularidade.

Edmundo Husserl sugere: “considere o que escrevi não são resultados para serem aprendidos quanto à forma, mas a busca dos fundamentos para você construir por você mesmo e questões para você mesmo resolver” ( apud Goto, 2004 p.19). Eis o estilo fenomenológico: não se trata de um método sistemático, mas sim, de uma possibilidade de refletir sobre a existência humana em várias disciplinas científicas, filosóficas e artísticas, incluída nestas, a dança e a educação. As indagações fenomenológicas procuram reportar-se às vivências originárias pré-científicas, para depois transcendê-las em direção a uma perspectiva mais abrangente. Se refletirmos sobre - o que é fenomenologia - vamos nos deparar não só com um método radical como também com uma possibilidade de pensamento fundado no sentido do ser. Pois, “descartando a coisificação da razão e inserindo o homem no mundo e em sua participação, a fenomenologia situa sua ênfase na estrutura fundamental desta inserção: o vivido” (Goto, 2004). Para entendermos a realidade é preciso partir da experiência. Se as ciências reduzem a noção de experiência a processos produtivos internos, a fenomenologia, por sua vez, amplia esse conceito com a inclusão da subjetividade. Trata-se de uma vivência, aquilo que se vive, como um modo de estar entrelaçado – ser-no-mundo.

A noção de corpo que permeia a proposição de ensino dança aqui apresentada é descrita na obra de Fenomenologia da Percepção, para Merleau-Ponty o corpo é o lugar do fenômeno da expressão, no qual a experiência visual e a experiência auditiva, por exemplo, são pregnantes uma da outra, e seu valor expressivo funda a unidade antepredicativa do mundo percebido e, através dela, a expressão verbal e a significação intelectual. Meu corpo, examina o autor, “é a textura comum de todos os objetos e, é pelo menos em relação ao mundo percebido, o instrumento geral de minha “compreensão”. É ele que dá sentido não apenas ao objeto natural, mas ainda a objetos culturais como as palavras”(1945, p. 271).

O corpo daquele que não enxerga nos coloca diante de um problema levantado por Merleau-Ponty (2000) sobre a nossa dificuldade de compreender - como podem os movimentos de um corpo organizado em gestos ou em condutas nos apresentar alguém que não seja nós – como podemos encontrar nesses espetáculos outra coisa a não ser o que neles pusemos. A resposta possível, parece estar na percepção do outro e no diálogo, porém no tempo e espaço da dança.

Pautada na teoria da expressão fenomenológica (Müller, 2001), apresentamos a dança como expressão que propicia uma experiência de contato com o novo, e exprime a possibilidade de outras experiências. De maneira que “sabemos”, de antemão, que aquilo que fazemos pode ser feito por outro, assim como aquilo que o outro faz nós podemos fazer também. Destarte, o outro e o mundo existem de antemão para nós como realidade expressa. Ou seja, junto ao nosso campo de presença, se exprimem infinitos outros. Parafraseando Merleau-Ponty, o dançarino empresta seu corpo ao mundo e o transforma-o em dança.

O que é a cegueira? Parece-me então que para definir a cegueira faz-se necessário, ir além daquilo que é dado. Devemos nos propor conhecer a história daquele corpo como um entrelaçamento do nosso próprio corpo. A história de sua vida perpassa a história da nossa vida, configurando-se um modo peculiar de ser no mundo. Seres singulares, contribuindo para a pluralidade do mundo. Um ser que não usa a visão como sentido prioritário para conhecer o mundo. A cegueira deixa de ser objeto e passa a ser uma experiência perceptiva. Trata-se mais de lidar com a invisibilidade que com a escuridão. A cegueira está para quem não vê , assim como a invisibilidade está para quem vê. Apresentar a cegueira como uma experiência nos possibilita, apresentar nossa vida aberta ao outro.

Nesta alteridade radical que a cegueira se apresenta ao que vê, não se trata apenas de perceber o limite, mas pelo contrário identificar a co-existência. Em suma, ser o outro do outro. Aprendemos ao dançar com quem não vê que, estabelecemos novas referências em nosso corpo, buscamos uma conexão com outro através da respiração, essa pode em alguns momentos se tornar audível e visível. Atentamos para o espaço tendo nosso próprio corpo como ponto de partida. Criamos um movimento autêntico forjado em nos sentidos e em na memória corporal. Compomos assim, uma dança oriunda nos nossos vividos. O contato com o outro convida a correr riscos, podemos se perder, mas talvez achar algo em nós que estava perdido, também nos desafia a sermos receptivos e acolhedores. No espaço-tempo da dança o encontro com os nossos infinitos outros. Mesmo num solo não se dança sozinho, buscamos em nós não a cópia de um movimento, nem a repetição automática, mas uma nova leitura de um antigo gesto, “uma volta às coisas mesmas”. Retornamos ao ponto que o gesto desvela a co-existência com o outro eu mesmo.

A seguir iremos, primeiro, descrever as experiências com a dança e a cegueira, tendo como ponto de referência as atividades do Potlach Grupo de Dança. Em segundo lugar, discutiremos como as noções de visão e de visualidade presentes em nosso cotidiano atrelam o ver com o conhecer e, em contrapartida propomos o vídeo dança como um exercício de sensibilidade. Na terceira e última parte do texto, examinaremos a escola como um lugar privilegiado para um agir ético e estético.

Grupo Potlach: experiências com a dança e a cegueira

O Potlach Grupo de Dança se pauta num trabalho de pesquisa, ensino e extensão universitária para jovens e adultos com cegueira e com baixa visão. Com início das atividades em 1998, o elenco atual conta com a participação de 04 dançarinos com cegueira – e 03 dançarinas com visão, e estudantes do Centro de Ciências da Educação – CED da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. O trabalho vem sendo desenvolvido na Sala Espaço do Corpo no CED/ UFSC, e na Associação Catarinense de Integração do Cego - ACIC, com sede no bairro Saco Grande, em Florianópolis, SC. Além de ensaios, o projeto oferece oficinas de dança no nível iniciante e intermediário para os integrantes da ACIC.

Nosso trabalho busca ser uma experiência de ensino e apreciação da dança pautada na pesquisa perceptiva sobre o ver e o não ver. Durante o processo de criação os dançarinos, por meio de entrevistas, descrevem suas experiências cotidianas e memórias corporais. As seqüências são compostas com base na improvisação e no contato corporal. O projeto tem como objetivo apreender a dança como uma experiência estética, para isso se propõe desenvolver atividades que promovam à comunicação não-verbal, ampliação do vocabulário de movimentos e contato com o outro. Em dezembro de 2003 o grupo estreou o espetáculo QUATRO, no teatro da UFSC, em Florianópolis. No primeiro semestre de 2004 foi produzido “Água Constante...” processo coreográfico e apresentado nos Espelhos da Educação, evento promovido pelo Centro Acadêmico e a Coordenação do Curso de Pedagogia no CED/UFSC. Em 2005 apresentamos “Embalos e Canções”, nos Espelhos da Educação II e produzimos o vídeo dança Quatro. Em 2003 e 2006, o grupo foi pré-selecionado nos editais Rumos Vídeo Dança do Itaú Cultural. No mês de maio de 2007 os fragmentos da coreografia “Que sei eu?” foram interpretados na IV SEPEX/UFSC. Com este trabalho de pesquisa perceptiva e sensorial, o Potlach tem por finalidade despertar no espectador uma experiência estética insólita e provocadora acerca do acolhimento da diferença.
Numa tentativa de descrever um movimento durante uma aula de dança, uma dançarina não-visual do Potlach Grupo de Dança indagou que dança era aquela. Rindo, um dançarino não-visual respondeu: É a dança do sei lá o que... A brincadeira “pegou” e toda a vez que a descrição de algum movimento se torna complexa, sabemos que estamos criando a dança do sei lá o que...
Muitos indagam: Dança com dançarinos cegos? Cegos?!! Dança?!! Que dança é essa? Que movimentos são esses? Que corpo é esse? Quais sentidos, sensações, direções? A resposta: “É a dança do sei lá o que...” Esta dança, descrita pela dançarina, se relaciona com a percepção do espectador. Esta “dança do sei lá o que...” pretende interrogar sobre uma dança expressa no entrelaçamento entre um dançarino que não vê e o espectador que o vê. A coreografia busca tecer relações entre o dançarino e o espectador, trata-se de um jogo lúdico, dinâmico, criativo de reconhecimento do outro eu mesmo: o “nós”. Despertando, assim, uma dança forjada na sensibilidade, na temporalidade do corpo vivido, no visível e no invisível.
De certo modo, esses episódios explicitam questões similares presentes atualmente na dança contemporânea. Que, por um lado, são muitas vezes incompreensíveis, pois novos signos estão sendo constantemente recriado, o que pode provocar estranhamento. Que dança é essa? Que movimentos são esses? Por outro lado, vale trazer à tona uma questão: se a dança é da ordem da explicação ou da descrição. Neste sentido, a percepção privilegiada de quem não vê propõe uma dança que não se explica, mas que se sente como nascente de um corpo perceptivo. Ou ainda, uma dança concebida a partir de pessoas não-visuais, interroga mais que explicita. Essa possível interrogação dançante demonstra que a experiência entre o dançarino e a platéia pode ser, sim, a de corpos entrelaçados.
“Que sei eu?” Essa é uma pergunta que Maurice Merleau-Ponty apresenta em sua obra O Visível e o Invisível (2000), e que nos inspira a criar uma coreografia indagativa. Essa é a alternativa do filósofo à afirmação “Sei que nada sei” - instalada no ceticismo e que provoca uma dúvida que destrói as certezas. Mas as questões cotidianas estão aí, por exemplo, quero saber: onde estou? Que horas são? Questões que evocam um contexto, alguém que pergunta. Questões que são oriundas de nossas experiências como um “ser-no-mundo”. “Que sei eu?” Indaga Merleau-Ponty (2000), sem querer explicitar o que é o saber? Tão pouco quem sou? Mas, o que há? E ainda, o que é o há? Essas questões interrogam a nossa própria existência. E foi refletindo sobre a própria existência de dançarinos com cegueira que criamos uma coreografia que interroga o si e o mundo. Buscamos desvelar qual seria a questão existencial que cada dançarino não-visual trazia em si e, a partir daí, criamos os blocos coreográficos no Potlach Grupo de Dança, com estréia prevista para novembro de 2007 no Teatro da UFSC. Como exemplo citamos o solo da dançarina I. B., intitulada Cotidiano, que enfatiza sua rotina através de arrumação diária da cama, lavação da roupa., notamos que ela estrutura sua vida, buscando conhecer detalhadamente sua vida cotidiana. A dançarina A. C. em suas freqüentes romarias com a avó ao Santuário de Madre Paulina roga: que eu possa ver os obstáculos, inspirou-nos a criar a coreografia a partir de sua prece. A. S. dribla a dureza da sociedade ao lidar com a cegueira sendo dançarino e jogador de gol-ball de seus movimentos criamos o solo Espelhamento Lúdico. Finalizamos, com a coreografia Eu e o mundo, apresentando a dançarina T. R., em sua busca do amor, lembra que “eu e o mundo somos um no outro”.
A experiência de ensino-aprendizado da dança, vivida pelos integrantes do grupo Potlach, longe de visar o entretenimento, ou mesmo dar conta de uma agenda política temporária de inclusão social, convida o professor e a platéia a ver ou “não ver” para então conhecer. Essa atitude caracteriza numa busca da compreensão do nosso processo de vida à maneira arendtiana. Essa autora examina que foi após longa experiência de convivência e numa contínua conversa que os gregos descobriram que mundo que temos em comum é habitualmente considerado sob infinito número de ângulos, aos quais correspondem os mais diversos pontos de vista. O grego aprendeu a intercambiar com os seus concidadãos o modo como mundo lhe parecia e se lhe abria. Desta maneira, destaca a autora os gregos aprenderam a compreender – não a compreender um ao outro como pessoas individuais, mas a olhar sobre o mesmo mundo do ponto de vista do outro, a ver o mesmo em aspectos bem diferentes e freqüentemente opostos (Hannah Arendt 2000 p. 82).

Destarte, buscamos formar professores como espectadores reflexivos e críticos, aptos para atuarem com a diversidade presente no contexto escolar de modo criativo atentos para as interpretações que se pode ter do corpo diferente no contexto das artes. Esperamos que o professor perceba o aluno numa relação de co-existência, co-criadores do processo artístico. No entanto, parece imprescindível que o próprio professor apreenda a experiência estética a partir de seus próprios vividos.

Até o momento, inspirados no ensaio “Au séminaire” de Roland Barthes (1988) refletimos neste texto o espaço geométrico composto pela escola, as relações presentes neste contexto, e a dança. Pautados em indagações fenomenológicas, apresentamos o corpo vivido e a cegueira como fenômenos da expressão que propicia uma experiência de contato com o novo, e exprime a possibilidade de outras vivências perceptivas de diálogo com o outro, porém no tempo e espaço da dança. Descrevemos como o trabalho de pesquisa perceptiva e sensorial do Potlach Grupo de Dança desperta no espectador uma experiência estética insólita e provocadora acerca do acolhimento da diferença. Em seguida iremos refletir a partir da obra de Evgen Bavcar a nossa proposição de vídeo dança e seu impacto no papel do espectador.


Vídeo Dança e cegueira: uma experiência paradoxal da sensibilidade

Vivemos numa sociedade do conhecimento. Neste contexto ver é conhecer. Gilliam Rose discute em seu livro Visual Methodologies (2001) a distinção que estudiosos contemporâneos tem feito a respeito da visão e da visualidade. Visão é o que o olho humano é fisiologicamente capaz de ver. Visualidade, refere-se ao que é visto e como algo é visto, sendo ambos construídos culturalmente. O termo “ocularcentrismo” foi cunhado por Martin Jay para descrever a aparente centralidade do visual na vida contemporânea ocidental. A centralidade do olho na cultura ocidental, se inicia quando observar, ver e conhecer se tornam entrelaçados. Bárbara Maria Stafford, uma historiadora do uso das imagens nas ciências, argumenta que, no processo iniciado no século XVIII, a construção do conhecimento científico sobre o mundo se torna mais em mais baseado em imagens do que textos escritos. Por conseguinte, Nicholas Mirzoeff sugere que a pós-modernidade é “ocularcêntrica”, não só em virtude das imagens visuais serem mais e mais comuns, nem tão pouco em razão do aumento da vinculação do conhecimento do mundo com a visualidade, mas por causa de nossa crescente interação com as experiências visuais culturalmente construídas. Deste modo, a conexão moderna entre ver e conhecimento é hiper estimada na pós-modernidade. A demanda no dias de hoje está em mais ver do quem em acreditar. Podemos, comprar um casa escolhida pela Internet, podemos ver nossos órgãos internos a partir de uma imagem de ressonância magnética. Podemos manipular nossas fotos em nosso computador.

Há imagens demais, constata Evgen Bavcar (2000), filósofo e fotógrafo não-visual. Esse autor argumenta que abundância de imagens-clichês no mundo moderno forma uma percepção abstrata das coisas que freqüentemente não existem mais por elas mesmas, mas somente através das imagens, sendo assim, a proximidade tátil é o mais seguro sinal de uma existência real. Em seu trabalho de fotógrafo compondo luz num espaço obscuro concebido como volume, Bavcar é consciente da separação do mundo do verbo daquele da imagem que ele busca reconciliar.

“Criamos dicotomias permanentes,” escreve Adauto Novaes (1997 p.13): “a consciência e a coisa , o sujeito e o objeto – divisões brutais que determinam com rigor as esferas do sensível e do pensado, do que vê e do que é visto.” É no intervalo dos sentidos,” continua esse autor: “que, segundo Merleau-Ponty, podemos descobrir que ver é, por princípio, ver mais do que se vê, é aceder a um ser latente. O invisível é o relevo e a profundidade é do visível. Aqui, o olho não é suporte natural do espírito, nem o espírito a sublimação da visão. O que Merleau-Ponty propõe é uma retomada, a partir de um momento “esquecido”, quando o pensamento de ver substitui o ver e fez dele seu objeto. Falando em quiasma ou entrelaçamento, procura desfazer corporalmente a distinção clássica entre sujeito e objeto, carne e espírito. Assim, descreve a relação carnal do sujeito e do objeto. Há uma universalidade do sentir e é sobre ela que repousa nossa identificação, a generalização de meu corpo, a percepção do outro. (Novaes, 1997 p.14)

A memória do corpo vivido, idéia que Bavcar desenvolve para além daquela que o senso-comum e o idealismo costumam usar, nos oferece sustentação na criação de vídeo dança. Ao examinar a obra desse fotógrafo, Adauto Novaes (2000) ressalta, primeiramente a noção de paralelismo, isto é, a idéia que impede qualquer superioridade do espírito sobre o corpo e do corpo sobre o espírito, como comentamos no parágrafo anterior. Nota, também que Bavcar realiza uma reflexão que passa pelo corpo e pelos sentidos, responde assim, a pergunta de Spinoza: O que pode o corpo? Indagação que induz, pois à demonstração de que o corpo supera o conhecimento que ele tem dele mesmo, da mesma maneira que o pensamento supera a consciência que ela tem dela mesma. Por conseguinte, percebe que a idéia de memória das sensações, que se pode ver nas fotos de Bavcar, coincide absolutamente com a idéia de memória expressa na Ética de Spinoza a memória não é outra coisa senão um certo encadeamento de idéias, envolvendo a natureza das coisas que estão fora do corpo humano. Por fim, Novaes, descreve esse encadeamento que se faz no espírito segundo a ordem e o encadeamento das afecções do corpo humano: “Através do tato, do deslocamento do ar que desenha o contorno daquilo que ele não vê com os olhos, através do olfato, através do calor, o corpo de Bavcar é afetado pelos objetos exteriores, criando a memória das sensações e formando figuras.” (Novaes, 2000 p. 32)

No vídeo dança o elemento principal de conexão com a platéia não é a narrativa, a autobiografia, o documentário, ainda que este se guie a partir da experiência vivida, o que nos interessa é a experiência perceptiva daquilo que está sendo visto. O público é convidado a fazer a sua própria jornada, criar a partir das imagens e da sonoridade sua própria dança. A dança vinculada com a narrativa pessoal, como analisa Albright (1997), propõe que o espectador se transforme numa testemunha. No nosso entender, o que o vídeo dança proporciona não seria somente a transformação do papel de espectador, como também da sua própria experiência de observar. Logo, trata-se aqui da uma experiência estética que transforma tanto o dançarino não-visual como aquele que o vê. Eis um aspecto relevante para o ensino da dança: sua apreciação.

Poucos são os estudos brasileiros sobre a relação entre o público e o dançarino. No entanto, o crescimento do número de pessoas com diferenças físicas, mentais e sensoriais no contexto artístico têm suscitado uma silenciosa inquietação. Talvez, pelo fato de que até pouco tempo atrás os espetáculos de dança se constituíam como espaço da graciosidade e da perfeição, o corpo diferente desse ideal acaba por fim provocando uma instabilidade em nossos conceitos estéticos. Supomos que devemos aproveitar essa oportunidade para revermos nossos conceitos sobre o que é o belo. Nesse caso, um vídeo dança com dançarinos com cegueira, pode nos suscitar esse tipo de reflexão. Pois, não visa entreter, mas, sim convidar: - Venham apreciem a dança, em sua inteireza e na sua invisibilidade.

A seguir comentaremos sobre a escola ser um lugar de produção da diferença, um local para apreciar a coexistência.

Escola: espaço aberto para a experiência do outro

Na leitura de Aquino (1998) a escola, é um espaço privilegiado da alteridade. Com o intuito de reconfigurar a ética do trabalho docente Aquino preconiza cidadania à escolaridade. Discute sobre o que é se tornar cidadão num mundo de informação e globalizado. Constata que, embora a informação esteja disponível em escala planetária, a exemplo da Internet, o conhecimento só se aprende na escola, é lá que se forja um leitor do mundo arguto. Seria, pois, a escola o espaço-tempo de rompimento de idéias repetidas e abertura para se cultivar uma experiência original do pensamento.

Voltando para o texto de Barthes (1988), citado no início deste artigo, este escreve sobre o ensinar aquilo que encanta. Ao convidar a ensinar o que acontece uma vez, ele verifica aí uma contradição nos termos, afinal, ensinar não é sempre, repetir? O autor exemplifica citando Michelet: “Prestei sempre atenção para nunca ensinar aquilo que não sabia... Eu havia transmitido essas coisas como então estavam na minha paixão, novas, animadas, ardentes (encantadoras para mim), sob o primeiro atrativo do amor” (Barthes, op. cit. p. 340). Perguntamos: O ensino da dança na escola, não estaria aí uma maneira de ensinar aquilo que encanta? Ou ainda, não seria a dança uma possibilidade de encantar o corpo?

Aquino (1998) recomenda uma recriação do legado cultural, não apenas uma transmissão de saberes. No compasso com Hannah Arendt, esta apresenta a escola como um lugar do passado por excelência. Argumenta, que não há futuro plausível sem apropriação do passado, sem a imersão na tradição. Afinal, “uma compreensão bem clara de que a função da escola é ensinar às crianças como o mundo é, e não instruí-las na arte de viver. Dado que o mundo é velho, sempre mais que elas mesmas, a aprendizagem volta-se inevitavelmente para o passado, não importa o quanto a vida seja transcorrida no presente.” (Hannah Arendt, 2000, p. 246). O dilema proposto por Aquino está em decifrar como a escola de qualidade e para todos está a lidar com o binômio conhecimento e informação.

Mas, há um desafio maior, que é proposto, por Arendt: “A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele e, com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse a renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência para a tarefa de renovar um mundo comum (2000, p. 247). Isso se caracteriza com um problema ético, que carece de toda nossa atenção. Ao mesmo tempo que atravessa todo o sentido legal que institui a educação como um direito de todos e dever do Estado e da família.

O dever distinto da família e da escola no que diz respeito à educação é explicitado por Aquino (1998). O autor ressalta as novas funções delegadas ao professor pelos movimentos históricos, exige ao mesmo tempo uma ampliação do âmbito pedagógico para o psicológico, seguido de perto pelo tecnicista, alimentado pelo crítico-reprodutivista, com isso se espera que o professor desempenhe inúmeros papéis – o familiar, o clínico, o assistente social, o nutricionista. Além de ter que ensinar de tudo. Aquino constata que, dentre os objetivos da educação explicitados no artigo 205 da Constituição, não há nenhuma menção ao conhecimento como elemento estruturador do trabalho escolar. Percebe-se que no momento atual da escola pública, não só o acesso deve ser garantido, mas, principalmente, a permanência. Essa é ocasionada por um trabalho educativo que é, ao mesmo tempo, teórico, técnico, ético e estético. Denuncia que a existência de um grande contingente de supostos “alunos-problema” é engendrada por uma rede de especialistas designados ao “tratamento dos distúrbios”, e ainda que se mudam o sotaque e as justificativas teórico-técnicas, mas o constrangimento permanece.

Aquino (1998) tece, também, considerações sobre o ensinar. Propõe que o ofício docente possa ser definido como resultado da articulação de três dimensões: “uma da especialidade, dos conteúdos específicos em foco (o quê); outra de cunho didático-metodológico, dos procedimentos relativos à (re)composição de tais conteúdos (o como) e a outra de natureza ética, que se refere aos valores de expansão humana e democratização social intrínsecos ao conhecimento e ao próprio ato de conhecer (o para quê).” Para o autor a intervenção escolar implica numa única exigência: a inclusão incondicional do outro. Atrela a essa premissa cinco regras éticas que podem imbuir o trabalho docente. 1) fidelidade ao contrato pedagógico, delimitação consensual dos papéis de aluno e de professor; 2) a compreensão do “aluno-problema”, como porta-voz de relações ambíguas; 3) recriação do perfil discente e o investimento nos recursos humanos concretos; 4) a permeabilidade à mudança e a experimentação de novas estratégias, 5) a potencialização do binômio competência e prazer como um tipo de “dever cotidiano”.

A escola é um lugar de produção da diferença. Para Barthes (1988) a diferença não é conflito. Mas, sim, “que cada relação, pouco a pouco” (isso demanda tempo), se originaliza: reencontra a originalidade dos corpos tomados um a um, quebra a reprodução dos papéis, a repetição dos discursos, elude (evitar ou esquivar com destreza) toda encenação do prestígio, da rivalidade. Seria, perceber a diferença que nosso corpo-próprio desvela. É se deixar se mostrar, se desnudar diante do outro, não com tentativa de ver o que está à sombra, mas de demorar a olhar naquilo que é invisível. O estar entre outros distingue ou homogeneíza. Qual será o nosso foco neste espaço diante (ao lado) do outro?

Se percebermos o outro como uma paisagem que se descortina diante de nós, podemos aprender a vê-lo como vemos a nós mesmos. Essa aprendizagem do olhar pode ser exemplificada com Degas (apud Growe 2001), que rejeitava atentar para a paisagem e interpretar suas cores num quadro como um “estado da alma”, sua escolha, ao contrário, primava pelas sensações puras, simples, tonalidades diáfanas, com contrastes mínimos e muita luz. Apreender essas sensações é, sobretudo, “uma condição do corpo”, implicada na reflexão do olhar que assemelha a criação à experiência visual. A experiência com dançarinos com cegueira tem nos ensinado sobre um olhar criativo do outro, nascente de uma diferença original, portanto, desvinculado dos nossos pré-conceitos. Desta maneira, a educação, como prática teórica, campo profissional ou arte de viver – talvez não seja objeto passível de cientificidade, mas trabalho ético e estético, ação que revela com suavidade as marcas do corpo na formação de professores.


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